A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 31
 
Discutindo esta matéria, me empenharei para mostrar, O que a doutrina da reprovação não é.

 

1. A finalidade suprema de Deus para com a criação de qualquer pessoa, não é o dano desta. Nem a razão e nem a revelação o confirmam, mas ambas contradizem esta premissa, de que Deus seja capaz de ter criado ou de criar quaisquer seres com o propósito de torná-los miseráveis em seus supremos finais. Deus é amor, ou seja, Ele é benevolente, não podendo, portanto, desejar a miséria de qualquer ser como seu destino final, ou por seu próprio ser. Pode ser considerado como algo um pouco menor do que uma blasfêmia, representar a Deus como criando qualquer ser com o propósito de fazer deste um miserável, como um resquício de sua criação.

2. A doutrina não é tal, que alguém estará perdido por toda a eternidade se tiver feito tudo o que estiver ao seu alcance para que seja salvo, ou a despeito de si mesmo. Exibir Deus como alguém que está decidindo mandar pecadores para o inferno, a parte destes, ou sem considerar os seus esforços para agradar a Deus e obter a salvação, não é apenas uma calúnia contra o caráter de Deus, mas também uma má interpretação grosseira da verdadeira doutrina da reprovação.

3. A verdadeira doutrina da reprovação também não consiste em que: o propósito ou o decreto de reprovação seja a causa que leva à destruição daqueles que são reprovados. Deus pode determinar a destruição de uma alma por causa de sua maldade prevista; porém o seu intento de destruí-la por esta razão não é a causa da maldade desta alma, e consequentemente não é a prova da sua destruição.

4. A verdadeira doutrina da reprovação também não consiste em qualquer decreto ou propósito de reprovação, que lance quaisquer obstáculos no caminho da salvação de quem quer que seja. Não significa que Deus tenha o propósito de causar danos a qualquer pessoa, no sentido de que o decreto se oponha através de obstáculos à salvação de qualquer alma que esteja sob o céu.

5. Também não significa que qualquer pessoa seja mandada para o inferno, exceto por sua própria e voluntária maldade e maus méritos.

6. Também não é que alguém será induzido a perder-se, através de todos os meios que possam ser sabiamente utilizados, para que aceite a salvação, ou para arrepender-se e crer no Evangelho.

7. Também não é, e nem implica, que todos os reprovados não deverão ser salvos, se cumprirem as condições indispensáveis para a salvação.

8. Também não implica que o decreto de reprovação apresente ou se oponha por meio de qualquer obstáculo ao seu cumprimento das condições necessárias para a salvação.

9. Não implica em que algo impeça ou evite a salvação daqueles que são reprovados; o que os impede é a sua perversa perseverança no pecado e rebelião contra Deus, bem como a sua resistência voluntária a todos os meios, que podem ser utilizados sabiamente em benefício da sua salvação.

 

O que a doutrina da reprovação é.

O termo reprovação, tanto no Novo como no Antigo Testamento, significa recusa, ser lançado fora. "Prata rejeitada lhes chamarão, porque o Senhor os rejeitou" (Jr 6.30). A doutrina consiste em que certos indivíduos da humanidade são, no fixo propósito de Deus de lançá-los fora, rejeitados e finalmente perdidos.

 

Esta é uma doutrina da razão.

Por isto se pretende mostrar, uma vez que a Bíblia revela o fato, que alguns serão finalmente lançados fora e perdidos. A razão afirma que se Deus os lançar fora, esta atitude deve estar de acordo com um propósito fixo de sua parte, devido à maldade prevista destas pessoas. Se, de fato, serão lançados fora e perdidos, deve-se concluir que Deus tanto conhece este fato, como o planejou. Isto é, Ele tanto conhece que serão lançados fora, como planeja lançá-los fora por causa da maldade neles prevista. Certamente que Deus não pode possuir nenhum novo conhecimento no tocante ao caráter e aos méritos destas pessoas, e, uma vez que Ele é imutável, jamais poderá ter qualquer novo propósito a respeito delas.

Novamente, este fato segue-se a partir da doutrina da eleição. Se Deus planeja salvar os eleitos, e somente os eleitos, conforme já foi mostrado, não por meio da razão, porém sob a condição de seu previsto arrependimento e fé em Cristo, certamente Ele planeja ou tem o propósito de lançar fora os maus, pela maldade prevista destes. Ele tem o propósito de fazer algo com aqueles que, de antemão, vê que serão impenitentes. Ele certamente não tem a intenção de salvá-los. Sabe que lhes fará aquilo que lhes deve ser feito. Aquilo que Ele pretende fazer com estes no futuro, para Ele já é presente, ou não seria imutável. Porém já vimos que a imutabilidade ou a ausência de mudanças é um atributo de Deus. Portanto a presente reprovação daqueles que finalmente serão lançados fora ou perdidos, é uma doutrina da razão.

A doutrina da reprovação não é a eleição de uma parte da humanidade à destruição, no mesmo sentido de que os eleitos para a salvação sejam eleitos para serem salvos. Estes últimos são escolhidos ou eleitos não somente para a salvação, como também para a santificação. A eleição, para com aqueles que são salvos, estende-se não somente até o final, que é a salvação, mas também às condições ou meios; que são a santificação do espírito e a crença na verdade. Isto já foi mostrado. Deus não somente os escolheu para a salvação, mas para que fossem conforme a imagem de seu próprio Filho. Consequentemente, Ele utiliza para com eles meios que possuem o intento de santificá-los e salvá-los. Porém Ele não elegeu os reprovados para a maldade, e não utiliza meios para fazê-los malignos, com o propósito final de destruí-los. Deus conhece, verdadeiramente, que o fato de tê-los criado juntamente com as suas dispensações providenciais, será a ocasião e não a causa do pecado e conseqüente destruição destes. Porém o pecado e a conseqüente destruição deles, não são o final supremo que Deus tem em vista em sua criação, e na seqüência de providências que então resultam. O supremo final deve de todos os modos ser benevolente, ou deve ser a promoção do bem. O pecado e o dano que estas pessoas sofrerão são apenas resultados incidentais, e não algo planejado como uma finalidade, ou por causa desta. Deus não pode sentir qualquer prazer, tanto no pecado destes como na conseqüente miséria que se segue; pelo contrário, Ele deve considerar a ambos como sendo em si mesmos males de enorme magnitude. Portanto algo que não faz, e nem pode fazer, devido a seu caráter, é eleger os reprovados para o pecado e para o dano, no mesmo sentido em que Ele elege os santos para a santificação e salvação. Os eleitos para a salvação são por Ele escolhidos para esta finalidade, considerando o deleite final. Porém aqueles que são reprovados, são escolhidos para a destruição, não por qualquer finalidade ou plano de destruí-los ao final, ou por deleite neste final; porém Ele determinou destruí-los em benefício do bem estar público, uma vez que a sua pecaminosidade prevista o demanda. Deus não utiliza meios para fazê-los pecadores, e nem possui este plano; porém a sua providência é dirigida para a concretização de outro final, que é bom; e a destruição dos reprovados é, e como tem sido dito, somente um resultado incidental e inevitável. Isto é, Deus não pode sabiamente evitar este resultado.

 

Esta é a doutrina da revelação.

Considerando as seguintes passagens, tornar-se-á evidente que esta visão do assunto é sustentada pela divina revelação:

"Mas deveras para isto te mantive, para mostrar o meu poder em ti e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra" (Êx 9.16).

"Abominação é para o Senhor todo altivo de coração; ainda que ele junte mão à mão, não ficará impune" (Pv 16.5).

"E ele disse-lhes: A vós vos é dado saber os mistérios do Reino de Deus, mas aos que estão de fora todas essas coisas se dizem por parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam, para que se não convertam, e lhes sejam perdoados os pecados" (Mc 4.11-12).

"Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra.

E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?" (Rm 9.17,22-24).

"Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis, quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados" (2 Co 13.56).

"Mas estes, como animais irracionais, que seguem a natureza, feitos para serem presos e mortos, blasfemando do que não entendem, perecerão na sua corrupção" (2 Pe 2.12).

"Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? Diz o Senhor Jeová; não desejo, antes, que se converta dos seus caminhos e viva?

Porque não tomo prazer na morte do que morre, diz o Senhor Jeová; convertei-vos, pois, e vivei" (Ez 18.23,32).

"Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel?" (Ez 33.11).

"O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (2 Pe 3.9).

Quando estas passagens são devidamente consideradas, parecem ensinar:

1. Que alguns homens são reprovados, no sentido de que Deus não planeja salvá-los, mas destruí-los por causa de suas ações e,

2. Que Ele não se deleita na destruição destes; que preferiria que fossem salvos, se sob as circunstâncias colocadas pela sua sabedoria, pudessem ser levados a obedecê-lo.

3. Que Deus considera a destruição destes como um mal menor para o universo, do que seria uma mudança na administração e na organização de seu governo para assegurar a salvação destes maus. Portanto, por causa da maldade e perseverança destas pessoas em rebelarem-se, sob as circunstâncias mais favoráveis à sua virtude e salvação, nas quais Ele é capaz de sabiamente os estabelecer, Deus está resoluto sobre a destruição destes; e tem o propósito de excluí-los para sempre.

 

Por que os pecadores são reprovados ou rejeitados.

Esta pergunta já foi substancialmente respondida. Porém para evitar a má fixação sobre um tema tão exposto a críticas, repito:

1. Que a reprovação e destruição do pecador não é uma finalidade, como se Deus se deleitasse na miséria, destruindo a pecadores em benefício da sede por destruição. Uma vez que Deus é benevolente, é impossível que isto aconteça.

2. Não é por causa de qualquer parcialidade em Deus, ou por Ele amar aos eleitos e odiar aos reprováveis, implicando de algum modo em parcialidade. A benevolência de Deus é desinteressada, não podendo, é claro, ser parcial.

3. Não é por causa de algum tipo de interesse, por parte de Deus em salvá-los. Ele mesmo sempre o afirma e abundantemente o atesta, através do seu relacionamento com eles, e da provisão que fez para a sua salvação.

4. Mas os reprovados são reprovados pela iniqüidade que cometem, e que já foram previstas:

"E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convém" (Rm 1.28).

"O qual recompensará cada um segundo as suas obras, a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, e honra, e incorrupção; mas indignação e ira aos que são contenciosos e desobedientes à verdade e obedientes à iniqüidade; tribulação e angústia sobre toda alma do homem que faz o mal, primeiramente do judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que faz o bem, primeiramente ao judeu e também ao grego; porque, para com Deus, não há acepção de pessoas" (Rm 2.6-11).

"Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá.

Mas dizeis: Por que não levará o filho a maldade do pai? Porque o filho fez juízo e justiça, e guardou todos os meus estatutos, e os praticou, por isso, certamente viverá.

A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele" (Ez 18.4,19-20).

"Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal" (2 Co 5.10).

"Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6.7).

"Sabendo que cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja servo, seja livre" (Ef 6.8).

"Sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis" (Cl 3.24).

"E eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo para dar a cada um segundo a sua obra" (Ap 2.12).

"Prata rejeitada lhes chamarão, porque o Senhor os rejeitou" (Jr 6.30).

Estas passagens mostram os ensinos inspirados sobre este tema. Deve então ser lembrado, que a razão pela qual alguém é reprovado, é porque não deseja ser salvo; isto é, são pessoas que não têm vontade de ser salvas nos termos sob os quais Deus é capaz de sozinho, e de modo consistente, salvá-las. Pergunte aos pecadores se eles gostariam de ser salvos, e todos dirão que sim; e o dirão em perfeita sinceridade, se puderem ser salvos com base em suas próprias condições. Porém quando você lhes propõe os termos da salvação sobre os quais o Evangelho se propõe a salvá-los, quando deles se requer que se arrependam e creiam no Evangelho, para que os seus pecados sejam perdoados, e se rendam ao serviço a Deus, começarão a escusarem-se. Agora, estes termos devem ser aceitos de coração e na prática, quando são aceitos por eles. Porque se disserem que estão dispostos a aceitarem a salvação, quando de fato não a aceitam, estarão enganando a si mesmos ou proferindo uma falsidade infame. Quando alguém realmente está disposto, aceita os termos da salvação; e o fato de não a aceitarem de coração, e não abraçarem os termos da salvação, é a demonstração absoluta de que não estão dispostos. Sim, trata-se de pecadores rejeitando os únicos termos sobre os quais poderiam ser salvos. Não é então um insulto a Deus, que alguém simule que está disposto? A única razão pela qual não são todos cristãos, é que alguns não o querem. Ninguém assume a posição de indisposição por causa de alguma atitude de Deus, ou por serem reprovados; mas se alguém é reprovado, é porque não está disposto a ser salvo.

Porém alguém pode objetar dizendo, por que Deus não faz com que as pessoas se disponham? Não será por Ele ter reprovado a estes, o motivo por não mudar os corações e torná-los dispostos? Não, não é por Ele ter reprovado ao pecador; mas sim porque o pecador é tão obstinado que não é possível que Ele, sabiamente, e de modo consistente com o bem público, tome medidas que o convertam. Aqui existe a situação de um pecador a espera de que Deus o torne disposto a ir para o céu, contudo este pecador continua diligentemente utilizando os meios que o levarão para o inferno -- sim, dedicando-se com grande diligência a ir para o inferno; a mesma dedicação se utilizada corretamente, garantiria a salvação, se aplicada com igual zelo no serviço a Deus.

Neste caso, a pessoa está tentando a Deus, e então volta-se e pergunta a Ele por que é que Ele não a torna desejosa. Agora, cabe perguntar ao pecador se ele pensa que é um reprovado. Em caso afirmativo, qual seria em sua opinião a razão que levou um Deus infinitamente benevolente a reprová-lo? Deve haver alguma razão; qual ele supõe que seja esta razão? Será que ele já se fez esta pergunta seriamente, qual é a razão pela qual o Deus sábio e infinitamente benevolente jamais o tornou disposto a aceitar a salvação? Deve ser por alguma das seguintes razões. São elas:

(1) Por Ele ser mau (o que de fato Ele não é), e que deseja o dano do pecador em benefício próprio; ou:

(2) Que Ele não seja capaz de tornar a pessoa disposta; ou:

(3) A pessoa se comporta de tal modo que, nas circunstâncias em que se encontra, parece ao pensamento infinitamente benevolente de Deus, não ser sábio tomar um caminho tal que como resultado trouxesse esta pessoa ao arrependimento. Tal mudança na administração de seu governo, como gostaria esta pessoa, não seria sábia em relação ao todo.

Agora, qual parece ser a situação? É difícil alguém pensar que Deus não seja bom, e queira o dano por deleitar-se na miséria; também suponho ser difícil pensar que não seria capaz de converter alguém, isto é, se Ele pensasse que esta seria uma atitude sábia.

A outra alternativa, então, deve ser a razão: que o coração e a conduta obstinada, são tão abomináveis à vista dEle, que, considerando todas as coisas, Ele vê que usar meios extraordinários com esta pessoa com a finalidade assegurar a conversão dela, traria, no todo, mais agravo do que o bem para o seu reino. Não tenho o tempo necessário neste capítulo, para detalhar a questão de se esta pessoa, como agente moral, não poderia resistir a qualquer possível quantidade de influência moral que poderia ser trazida sobre ela, de modo consistente com a sua liberdade moral.

Alguém pode perguntar como posso saber que a razão por que Deus não torna a pessoa disposta, é que Ele vê que não seria sábio fazê-lo? Respondo que esta é uma inferência irresistível, a partir destes dois fatos, que Deus é infinitamente benevolente, e que Ele de fato, não faz com que a pessoa se torne disposta. Não creio que Deus negligenciaria qualquer coisa que Ele visse ser sábio e benevolente, no importante tema da salvação do homem. Quem é que poderia crer que Ele seria capaz de dar o seu Filho unigênito, o seu Filho amado, para morrer por pecadores, e então negligenciar qualquer meio sábio e benevolente para a salvação deles? Não; se o pecador é reprovável, é porque Deus já viu de antemão que ele se comportaria assim como tem se comportado; que seria tão maligno, a ponto de derrotar todos os esforços que Ele sabiamente poderia fazer em prol da salvação deles. Que variedade de meios Ele utiliza a favor do pecador. Em determinados momentos Deus o lança na fornalha da aflição; e quando esta não consegue amaciar o pecador, Ele dá meia volta e dispensa os seus favores. Ele tem enviado a sua palavra, tem pelejado através de seu Espírito, Ele tem atraído os pecadores por meio da cruz; tem procurado quebrantar a dureza do pecador através da aflição do Calvário; e tentado fazer com que pecadores, que estão no caminho da morte, retrocedam, fazendo com que os trovões da condenação e do dano soem a seus ouvidos. Em determinado momento, nuvens e escuridão têm rodeado o pecador; os céus têm trovejado sobre a sua cabeça; a divina vingança já se posicionou, e em volta do horizonte desta pessoa, já estão as portentosas nuvens da ira vindoura. Em outros tempos, a misericórdia do alto brilhou sobre esta pessoa como o sol do meio dia, penetrando em um oceano de tempestades. Deus desperta com urgência a cada meio para mover o coração endurecido do pecador; Ele disponibiliza os céus, a terra e o inferno, como contribuições perpétuas visando que este coração endurecido passe a considerar a sua salvação.

Porém o pecador ensurdece os próprios ouvidos, e fecha os olhos, endurece o coração, e diz: "Fazei que deixe de estar o Santo de Israel perante nós." (Is 30.11). E qual é a inferência a partir de tudo isto? Como é que tudo isto deve terminar? "Prata rejeitada lhes chamarão, porque o Senhor os rejeitou" (Jr 6.30).

 

Quando os pecadores são reprovados.

1. No que diz respeito ao fato de lançá-los fora, somente são lançados fora quando a medida de seu cálice de iniqüidade está completa; e não até que esta medida se complete.

2. No que diz respeito ao propósito da reprovação, os pecadores encontram-se no propósito de reprovação ou de rejeição eterna. Isto se segue irresistivelmente a partir da onisciência e imutabilidade de Deus. Ele certamente e necessariamente tem desde a eternidade todo o conhecimento que já possui ou que pudesse vir a possuir a respeito do caráter de todas as pessoas, e assim já deve ter planejado desde a eternidade todas as coisas a seu respeito, as quais Ele de antemão já intentou. Este fato se segue a partir da imutabilidade dEle. Se Ele lança fora os pecadores, deve fazê-lo tenha sido isto planejado ou não. Ele somente não poderia fazê-lo sem qualquer planejamento; deve fazê-lo de modo planejado. Porém se Ele o faz de modo planejado, também deve-se obrigatoriamente seguir-se que preparou este plano na eternidade, ou, caso contrário, que Ele tenha mudado.

Porém a mudança de propósito ou de desígnios é inconsistente com a imutabilidade moral de Deus. Portanto, o propósito da reprovação é eterno; ou os reprovados faziam parte do propósito que Deus fixou, de rejeitar e lançar fora os ímpios, desde a eternidade.

 

A reprovação é justa.

Não seria justo que Deus permitisse às pessoas que fizessem as suas próprias opções, especialmente quando estão em questão os mais sublimes motivos possíveis, como formas de induzi-los à escolha da vida eterna? O que! Não são exatamente para reprovar aos homens quando obstinadamente recusam a salvação -- quando já foi feito tudo aquilo que é consistente com a infinita sabedoria e benevolência, com o propósito de salvá-los? Não escolherão os homens se desejam ser salvos ou perdidos? O que é que Deus fará com cada um? Por que uma pessoa que não deseja ser salva, poderia ter objeções

quanto a ser atormentada? Se a reprovação sob estas circunstâncias não for justa, desafio os pecadores a dizerem-me o que é justo.

 

A reprovação é benevolente.

Deus criou os homens por sua benevolência, embora Ele em sua presciência soubesse que eles pecariam e se tornariam reprovados. Se Ele o previu, como um todo, poderia assegurar uma porção de virtude e alegria por meio de seu governo moral, visando algo mais do que contrabalançar o pecado e a miséria daqueles que se perderiam, e então o fato de tê-los criado seria certamente um ditado de benevolência. A questão era, se seres morais deveriam ser criados, e um governo moral deveria ser estabelecido, quando já havia sido previsto que um grande mal seria a conseqüência incidental. Volta-se à questão de se isto teria ou não sido benevolente, se o bem deveria ser assegurado, de modo a mais do que contrabalançar o mal. Se a virtude e a alegria que poderiam ser asseguradas pela administração do governo moral, seriam capazes de superar em muito, os males incidentais que seriam a conseqüência da derrota de uma parte dos integrantes deste governo, manifesta-se que uma mente realmente benevolente escolheria estabelecer o governo, apesar dos opositores dedicados ao mal. Agora, se aqueles que estão perdidos merecem a própria miséria, e a trazem sobre si mesmos por sua própria escolha quando deveriam ser salvos, então segue-se que não há nada em sua condenação, que seja inconsistente com a justiça, ou com a benevolência. Deus deve obrigatoriamente ter um governo moral, ou não poderia existir no universo criado algo como a santidade. Por que a santidade em uma criatura, não é nada mais do que a conformidade voluntária ao governo de Deus.

Uma vez que a pena prevista pela lei, embora infinita, sob a administração do governo moral mais sábia possível, não poderia assegurar a obediência universal; e uma vez que multidões de pecadores não serão recuperadas e salvas pelo Evangelho, uma dentre três coisas devem ser feitas; ou deve-se abandonar o propósito do estabelecimento de um governo moral; ou os maus devem ser aniquilados; ou os maus devem ser reprovados e enviados ao inferno. Mas, a opção de abandonar o propósito do estabelecimento de um governo moral, não é cogitada. A aniquilação não seria justa, visto que não seria a expressão adequada da aversão com a qual o divino juiz considera a violação de sua lei, e consequentemente não cumpriria a demanda da justiça pública. Agora, como pecadores realmente merecem uma morte eterna, e como a sua punição deve ser de real valor para o universo, criando o devido respeito à autoridade de Deus, e deste modo fortalecendo o seu governo, é claro que a sua reprovação e dano é em favor do bem geral, fazendo dos malignos o melhor uso que se pode fazer.

Não há dúvida de que Deus vê a perda da alma como um grande mal, e sempre a encarará como tal, e com alegria se empenha por evitar a perda de qualquer alma, desde que de um modo consistente com a mais sábia administração de seu governo. Quão calunioso, difamatório, injusto e ofensivo contra Deus deve ser, então, dizer que Ele criou os pecadores com o propósito de destruí-los. Ele derrama todos os ardentes anseios de um pai, sobre aqueles que é obrigado a destruir. "Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Por-te-ia como Zeboim? Está mudado em mim o meu coração, todos os meus pesares juntamente estão acesos" (Os 11.8). E agora, será que o pecador poderia encontrar em seu próprio coração algo de que acusar ao bendito Deus, por falta de benevolência? "Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?" (Mt 23.33).

 

Como se poderá saber quem são os reprovados.

Deve ser difícil para nós acertar, com certeza, quem são as pessoas reprovadas; porém existem muitos sinais de reprovação oferecidos pela Bíblia, que por meio de uma sóbria e ponderada investigação, nos permitirão formar uma opinião bastante correta, se nós ou outras pessoas à nossa volta são reprovadas ou não.

1. Uma evidência de reprovação é uma longa carreira de prosperidade, no pecado. O salmista se refere a este fato, do seguinte modo: "Brotam os ímpios como a erva, e florescem todos os que praticam a iniqüidade, mas para serem destruídos para sempre" (SI 92.7). Deus sempre dá aos malignos a sua porção neste mundo, permitindo que prosperem e que engordem como um boi cevado, e estes serão posteriormente conduzidos ao matadouro. "Até o Dia do Juízo e da perdição dos homens ímpios" (2 Pe 3.7). Portanto quando virmos um indivíduo prosperando por um longo tempo, mesmo vivendo em pecados, existe uma grande razão para temer que trata-se de uma pessoa reprovada. Nesta passagem a inspiração assume a verdade da distinção entre a evidência e a prova. O salmista não deve ser entendido como afirmando uma verdade universal. Ele não tinha o objetivo de mostrar que a prosperidade no pecado, era prova conclusiva de que o pecador próspero seja um reprovado. Porém o máximo que poderia ter sido pretendido, era que tal prosperidade no pecado oferecesse uma alarmante evidência de reprovação. Esta pode ser chamada de evidência presumível.

2. A negligência habitual aos meios da graça, é uma marca de reprovação. Se, absolutamente, as pessoas devem ser salvas, esta salvação em Jesus Cristo vem através da fé na verdade, e santificação no Espírito; e provavelmente seja achado verdadeiro que, nem um em dez mil seja salvo, dentre aqueles que habitualmente se abstêm de lugares sobre os quais Deus apresenta as suas reclamações. Algumas vezes, eu sei, um folheto, uma conversa, ou uma oração de algum amigo, são capazes de despertar um indivíduo, e conduzi-lo à casa de Deus; mas, como fato geral, se alguém permanece distanciado dos meios da graça, e negligencia a sua Bíblia, está ocorrendo um temeroso sinal de reprovação, e de que esta pessoa morrerá em seus pecados. Esta pessoa está agindo assim voluntariamente, e não está negando os meios da graça por que já está reprovada, mas é reprovada porque Deus conheceu previamente que esta pessoa tomaria este caminho.

Suponhamos que uma pestilência estivesse predominando, e que fosse tal que com certeza traria a morte em cada caso onde o remédio apropriado não fosse aplicado. Agora, se quiséssemos saber quem seriam as pessoas cujos dias estariam marcados e destinados a serem finalizados, e quais dentre os doentes estariam certamente condenados a morrer com esta doença, e encontrássemos pessoas em meio a estes doentes negligenciando o único remédio apropriado, saberíamos que estas seriam as pessoas.

3. Aqueles que envelheceram praticando pecados, são provavelmente pessoas reprovadas. Um fato solenemente alarmante é que a vasta maioria daqueles que mostram evidências de serem piedosos, converteu-se antes de completarem vinte e cinco anos de idade. Olhe para a história dos reavivamentos, e observe, mesmo naqueles em quem foram manifestos o maior poder, como as pessoas de menos idade é que se converteram. Aqueles que priorizam o desejo de alcançar algo no mundo, e que estão determinados a assegurar isto antes de se dedicarem à religião, e dão lugar aos apelos do seu Criador, esperando que mais tarde se convertam, são praticamente sempre desapontados. Um cálculo tão frio é odioso perante Deus. O que! Tirar proveito da paciência dEle, e dizer que, pelo fato de Ele ser misericordioso, a pessoa continuará a se arriscar no pecado, até que tenha garantido os seus objetivos mundanos, e desgastar-se no serviço do inimigo, e então voltar-se a seu Criador, com o que sobrar de seu corpo exaurido e abusado em sua mortalidade! Ninguém deve esperar que Deus coloque o seu selo de aprovação sobre um raciocínio como este, e sequer permita que esta pessoa triunfe, e diga que serviu ao demônio o quanto quis, e depois, finalmente foi para o céu.

4. A falta de punição é um sinal de reprovação. Deus diz na carta aos Hebreus: "Filho meu, não desprezes a correção do Senhor e não desmaies quando, por ele, fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebe por filho.

Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque que filho há a quem o pai não corrija?

Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não filhos" (Hb 12.5-8).

5. Outra marca da reprovação é mostrada quando as pessoas são repreendidas, e não são modificadas pela repreensão. Um poeta disse: "Quando a dor não for capaz de nos abençoar, o céu nos abandona ao desespero". Deus diz a respeito destes: "Porque serieis ainda castigados, se mais vos rebelaríeis?" (Is 1.5). Quando as aflições das pessoas não são santificadas, quando endurecem-se sob os açoites dEle, por que não deixaria que cada uma destas pessoas enchesse a medida da própria iniqüidade delas?

6.0 ato de abraçar a heresias danosas, é outra marca de reprovação. Onde as pessoas parecem ter se entregado à crença em uma mentira, existe uma solene razão para temer que estas estejam entre o grupo daquelas sobre quem Deus permitiu que viessem fortes enganos; para que dêem crédito a uma mentira, e sofram dano, por não obedecerem à verdade, mas terem prazer na injustiça. Onde virmos pessoas entregando-se a tais tipos de ilusões, e quanto mais crédito dêem a estas ilusões, maior será a razão para acreditarmos que são reprovadas. A verdade é tão clara, que com a Bíblia em nossas mãos, é praticamente impossível crer em uma heresia fundamental, sem ser entregue à maldição judicial de Deus. Tendo uma pessoa a verdade bíblica diante de si, é tão difícil dar crédito a uma mentira, que nem sequer o diabo pode fazê-lo. Se, contudo, alguém rejeitar a sua Bíblia, e abraçar a uma falsidade fundamental, será alguém mais estúpido e ignorante do que o diabo. Quando uma pessoa professa a crença em uma mentira, praticamente a única esperança que permanece para a sua salvação é que ela não lhe dê crédito sinceramente. O pecador deve acautelar-se de quão seriamente trata a verdade de Deus. Quão freqüentemente indivíduos começaram a argüir a favor de heresias, por amor à argumentação, e por amarem aos debates, até que finalmente vieram a crer em suas próprias mentiras, e encontram-se perdidos para sempre.

 

Objeções

1. A idéia de que Deus rejeitou aos reprovados por causa da maldade destas pessoas terem sido previamente vistas por Ele, responde-se que: "O Senhor fez todas as coisas para os seus próprios fins e até ao ímpio, para o dia do mal" (Pv 16.4). Esta resposta ensina uma outra doutrina; que esta passagem ensina que Deus criou os reprovados para o dia do mal, ou para o propósito de destruí-los.

A isto respondo que se Deus os tivesse criado simplesmente para destruí-los, ou se na ocasião em que os criou tinha um plano de destruí-los, não se segue que a sua destruição fosse um final supremo, ou algo em que Ele tivesse prazer. Deve obrigatoriamente ser verdadeiro, como foi dito, que Ele planejou destruí-los desde a eternidade, em vista e como conseqüência da maldade prevista destas pessoas; e, é claro que, Ele planejou esta destruição quando os criou. É portanto verdadeiro que em determinado sentido, Ele os tenha criado para o dia do mal, isto é, no sentido de que conhecia de antemão como é que estas pessoas se comportariam, e que tenha planejado, como conseqüência, destrui-las antes mesmo de tê-las criado. Porém isto não é o mesmo que Ele ter criado estas pessoas para que fossem finalmente destruídas, como seu supremo final. Ele tinha um outro e mais elevado final, um final benevolente. Ele diz: "Fiz todas as coisas para os seus próprios fins e até ao ímpio, para o dia do mal" (Pv 16.4). Isto é, Ele tinha algum grande e bom final para realizar por meio deles, e através de sua destruição. Ele previu que poderia usá-los para algum bom propósito, a despeito de sua maldade prevista; mesmo que pudesse revogar o pecado e a destruição deles, para manifestar a sua justiça, e assim mostrar publicamente a sua glória, e desta forma fortalecer o seu governo. Ele deve ter visto previamente que o bem resultante tanto para Ele mesmo como para o universo, proveniente desta revogação, como parte de sua providência, não seria condizente com aquilo que o maligno mereceria por sua rebelião e destruição; e, portanto, sob esta condição Ele os criou, sabendo que os destruiria, e pretendendo destruí-los. Tal destruição não é o final supremo de sua criação, conforme os seguintes textos das Escrituras:

"Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel?" (Ez 33.11).

"Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? Diz o Senhor Jeová; não desejo, antes, que se converta dos seus caminhos e viva?" (Ez 18.23).

"O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se" (2 Pe 3.9).

"Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade. E nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem. Deus é caridade e quem está em caridade está em Deus, e Deus, nele" (1 Jo 4.8,16).

"Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos" (Hb 2.9).

2. Outra objeção à doutrina desta lição é encontrada nas seguintes passagens:

"Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus réplicas? Porventura, a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?

Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?

E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou?" (Rm 9.20-23).

A partir desta passagem alguns inferem que Deus cria o caráter e dispõe o destino tanto dos santos como dos pecadores, com uma soberania absoluta e irresistível, a exemplo daquela que é exercida pelo oleiro sobre o seu barro; que Ele cria os eleitos para a salvação, e os reprováveis para a condenação, e forma o caráter de ambos de modo a adequá-los aos seus respectivos destinos, com uma soberania absolutamente irresistível e eficiente; para que o final destes em ambos os casos seja a sua própria glória, e que o valor do fim justificasse a utilização dos meios, isto é, de tais meios. A isto respondo:

(1) Que como já vimos de modo abundante, é absurdo ou completamente sem sentido, falar da criação do caráter moral, seja este bom ou mal, por uma soberania irresistivelmente eficiente. Isto é naturalmente impossível, pois implica em uma contradição. O caráter moral deve ser o resultado de uma ação própria e voluntária, e o caráter moral dos vasos da ira ou dos vasos de misericórdia, não são, e nem podem ser formados por uma influência irresistível, seja esta de qualquer natureza.

(2) Não está nem dito e nem considerado na passagem apreciada, que o caráter dos vasos da ira tenha sido criado, ou que Deus tenha tido qualquer ação sobre as causas do caráter deles, como Ele tem na formação do caráter dos vasos de misericórdia. Quanto aos vasos da ira apenas é dito que estão "preparados para perdição", isto é, que o caráter destes está adaptado para o inferno; enquanto que quanto aos vasos de misericórdia diz, "que para glória já dantes preparou". Os vasos da ira estão preparados, ou prepararam-se a si mesmos para a destruição, sob a luz e a influência que deveriam tê-los santificado. Os vasos de misericórdia que Deus teve, pela especial graça e influência do Espírito Santo, foram previamente preparados para a glória, comprometendo-se e dirigindo-se de modo voluntário.

(3) Porém esta pequena parte que comentamos em relação ao texto, não contempla nem a criação original do homem, e nem a criação ou a formação de um caráter maligno nele. Porém ela manifestamente os contempla como se já existissem, assim como já existia o barro do oleiro; e não somente existindo, mas também como seres pecadores. Deus deve proceder de modo razoável para dar forma a estes pedaços de vasos de ira ou de misericórdia, como melhor lhe parecer sábio ou bom. Ele deve designar uma porção para a honra e outra para a desonra, conforme Ele mesmo entende ser demandado pelo mais alto bem.

(4) A passagem que estamos considerando não pode, seja qual for o evento, ser pressionada ao serviço daqueles que insistem, que a destruição dos reprovados é escolhida por causa deles mesmos, e portanto implicaria em malevolência de Deus. Ouça o que diz a Bíblia: "E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou?" (Rm 9.22,24). Aqui parece que Ele planejou mostrar e fazer os seus atributos conhecidos. Isto não pode ter sido algo final, mas deve ter sido uma aproximação, no sentido do fim. O supremo final deve ter sido a mais alta glória dEle mesmo, e o mais supremo bem do universo, como um todo. Se Deus desejou, deste modo, tornar conhecidas a sua santidade e misericórdia, com o propósito de assegurar o mais alto bem do universo, quem é que tem o direito de perguntar "O que fazes?" ou "Por que fazes isto?".

3. Outra objeção é, se Deus sabia que estes seriam reprovados ou perdidos, por que os criou? Se Ele sabia que este seria o resultado, e mesmo assim os criou, segue-se que os criou para destrui-los. A isto respondo:

Esta objeção já foi respondida, porém para maior clareza optarei por respondê-la novamente.

A partir do fato admitido, que Deus conhecia assim que os criou, qual seria o destino deles, não se segue que a destruição deles seria a finalidade pela qual Ele os teria criado. Deus os criou, não para o pecado, e nem para terem como final supremo a destruição, mas para um outro e bom final, a despeito do conhecimento que tem do pecado destes e de sua conseqüente ruína.

4. Também é objetado que se Deus planejou tornar os seus próprios atributos conhecidos, na salvação dos vasos de misericórdia, e na destruição dos vasos da ira, Ele deve ter planejado tanto o caráter como o final destes, pois o caráter destes é uma condição indispensável para este resultado.

A isto respondo que as afirmações anteriores em parte são verdadeiras, de que o caráter tanto dos vasos da ira como o daqueles que são vasos de misericórdia foram obrigatoriamente, em algum sentido, definidos em termos de propósito ou planejados por Deus. Mas não se segue que Ele tenha planejado a ambos no mesmo sentido. Ele criou o caráter dos justos de modo que pudesse ser dirigido por sua própria vontade; Ele criou o caráter dos ímpios tolerando que este fosse formado pela própria pessoa. Ele sem dúvida preferiu suportar este ao invés de interferir, de tal modo e forma que pudesse evitar o pecado; tendo em vista que fez com que o pecado fosse detestável, também poderia fazer com que o pecado fosse rejeitado em favor do bem. As demais coisas planejou produzir, ou ao invés disto, induzir, tanto a favor do prazer que tem na santidade, como também por causa das implicações de cada assunto sobre o universo.

5. A doutrina que estamos estudando nesta lição, alguns também objetam que se uma pessoa é reprovada, não adianta que esta procure ser salva. Dizem que se Deus conhece qual será o caráter desta pessoa, e desejar que seja destruída, é impossível que as coisas aconteçam de um modo diferente daquele conhecido e designado por Deus, e portanto esta pessoa deve, em desespero, desistir pois não terá chances nem no princípio e nem no final.

(1) Aqueles que colocam esta objeção, eu diria que aqueles que são reprovados não têm consciência deste fato, e por esta razão não entram em desespero.

(2) Se Deus desejar lançar alguém em condenação, embora a pessoa não tenha conhecimento deste fato, é somente porque Ele prevê que esta pessoa não se arrependerá e nem dará crédito ao Evangelho; ou, em outras palavras, Ele sabe que esta pessoa se entregará à maldade voluntária. Ele já sabe de antemão que esta pessoa será ímpia, simplesmente por que ela realmente o será, e não porque o conhecimento prévio de Deus a torna ímpia. Nem o conhecimento prévio de Deus sobre o caráter de uma pessoa, nem o seu plano de condená-la, fazem com que a pessoa se torne ímpia. Todos somos, portanto, perfeitamente livres para obedecermos e sermos salvos, e o fato de uma pessoa não obedecer e não ser salva, não se deve a alguma determinação divina para que não o seja.

(3) É mais do que razoável fazermos as mesmas objeções a tudo aquilo que acontece no universo. Tudo aquilo que já aconteceu, ou que acontecerá, ou que poderá acontecer é infalivelmente conhecido por Deus, assim como a impiedade que existe em algumas pessoas, e a conseqüente destruição delas. Ele também tem um plano imutável e eterno sobre tudo aquilo que já aconteceu ou que ainda acontecerá. Ele sabe o quanto viveremos, onde moramos, e quando morreremos. Os propósitos que Ele tem a respeito destes e de todos os outros eventos são fixos, eternos, e imutáveis. Pense, por que é então que, assim sendo, as pessoas não assumem a postura de viverem sem alimentos, e dizerem que não podem tornar um fio de cabelo preto ou branco; ou dizerem que não poderão morrer antes do tempo designado, ou nem mesmo prolongar os seus dias além do tempo que para elas está designado, a despeito daquilo que elas possam fazer; portanto, diriam elas, não cuidaremos de nossa saúde? Não, isto não seria razoável.

Por que também não aplicar esta objeção a todas as demais coisas, e acomodarmo-nos no desespero de sempre fazermos ou sermos algo? Porém que tipo de destino irresistível construímos? O fato é que a doutrina verdadeira, seja a da eleição ou a da reprovação, não nos conduz a uma conclusão final como esta. A presciência e os planos de Deus, no que diz respeito à nossa conduta ou destino, em última instância, não interferem em nosso livre arbítrio. Nós, em todos os casos, agimos de modo completamente livre, como se Deus jamais conhecesse e nem tivesse planejado qualquer coisa sobre a nossa conduta. Suponhamos que o agricultor utilizasse o mesmo raciocínio em relação ao trabalho de semear o seu campo, e das ações que ele exerce para assegurar a sua colheita; qual seria o pensamento dele? Se ele seguisse o mesmo raciocínio, poderia, aparentemente com muita razão, alegar a presciência e os planos de Deus para que não protegesse a sua lavoura e não garantiria a sua colheita. Deus realmente conhece se a pessoa semeará, e se terá uma colheita; e Ele o sabe perfeitamente desde a eternidade, e perfeitamente sempre o saberá.

Ele também já planejou, desde a eternidade, se uma pessoa terá ou não uma colheita neste ano; e isto infalivelmente acontecerá exatamente do modo como Ele tem previsto e planejado. Contudo, somos perfeitamente livres para semear uma lavoura, ou para negligenciarmos fazê-lo, como se Ele jamais soubesse qualquer coisa a respeito deste assunto, e como se jamais tivesse algum plano em relação a este.

A pessoa que tropeçará, seja na doutrina da eleição ou da reprovação, conforme definido e mantido nestas aulas, deveria, para que fosse consistente, tropeçar em tudo o que acontecer, e jamais tentar realizar absolutamente nada; porque os planos e a presciência de Deus estendem-se igualmente a todas as demais áreas da vida, a todas as coisas; e a menos que Ele tenha expressamente revelado como as coisas acontecerão, somos como que deixados no escuro, a respeito de todos os eventos futuros, e temos a liberdade de utilizar os meios para realizar aquilo que desejamos, ou para evitar aquilo que tememos, como se Deus tivesse o conhecimento porém não tivesse nenhum plano a respeito.

6. Porém alguns levantam a objeção de que esta é uma doutrina desencorajadora, responsável por ser uma pedra de tropeço, não devendo portanto, ser ensinada ou enfatizada. A esta objeção respondo:

(1) Esta doutrina é ensinada na Bíblia Sagrada, e segue-se plenamente a partir dos atributos de Deus, conforme revela a razão. As Escrituras que a ensinam não seriam, se vistas da mesma maneira, um laço ou uma pedra de tropeço menores do que a definição e a explicação da doutrina.

(2) A correta enunciação, explicação, e defesa das doutrinas da eleição e da reprovação, são importantes para o correto entendimento da natureza e dos atributos de Deus.

(3) As Escrituras que ensinam estas doutrinas são freqüentemente objeto de críticas, e algumas vezes de dificuldades reais. Os ensinadores religiosos deveriam, portanto, enunciar estas doutrinas e explicá-las, para ajudar aqueles que estão inquirindo em busca da verdade, e assim fechar a boca dos contradizentes.

(4) Uma vez mais digo que estas doutrinas têm sido tão mal enunciadas e pervertidas, que têm sido úteis a um sistema duro como o ferro, que é o fata-lismo. Muitas pessoas ouviram ou leram sobre estas perversões, e hoje têm uma grande necessidade de serem esclarecidas sobre o assunto. E, portanto, da maior importância que estas verdades encontrem lugar na instrução religiosa. Que elas sejam compreendidas, corretamente enunciadas, explicadas, e defendidas, para que não sejam mais pedras de tropeço, como também o fato da onisciência de Deus.

 

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