A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 24

FÉ E INCREDULIDADE

 

O que a fé evangélica não é.

1. O termo fé, como a maioria das outras palavras, tem sentidos diversos e às vezes é manifestadamente usado na Bíblia para designar um estado do intelecto, significando uma persuasão inconteste, uma convicção firme, um consentimento intelectual sem hesitação. Porém, este não é o seu significado evangélico. A fé evangélica não pode ser um fenômeno do intelecto pela razão óbvia de que, quando usada no sentido cristão, sempre é considerada como uma virtude. Mas a virtude não pode ser pressuposta dos estados intelectuais, porque estes são estados involuntários ou passivos da mente. A fé é uma condição da salvação. É algo que nos mandam fazer sob pena da morte eterna. Mas se é algo a ser feito -- um dever solene -- não pode ser um estado meramente passivo, uma mera convicção intelectual. A Bíblia faz distinção entre a fé intelectual e a fé salvadora. Há uma fé dos demônios e há uma fé dos santos. Tiago faz distinção clara entre elas e também entre a fé antinomiana e a fé salvadora. "Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura

Abraão, o nosso pai, não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras e que, pelas obras, a fé foi aperfeiçoada, e cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes, então, que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé. E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários e os despediu por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tg 2.17-26). A distinção está claramente assinalada aqui, como em outros textos da Bíblia, entre a fé intelectual e a fé salvadora. Uma produz boas obras ou uma vida santa, a outra é improdutiva. Isto mostra que uma é apenas fenômeno do intelecto e -- é claro -- não controla a conduta. A outra deve ser fenômeno da vontade, porque se manifesta na vida exterior. A fé evangélica, então, não é uma convicção, uma percepção da verdade. Não pertence ao intelecto, embora implica em convicção intelectual, mesmo que o elemento evangélico ou virtuoso não ponha nisso a sua base.

2. Não é um sentimento de qualquer tipo, ou seja, não pertence a nenhum fenômeno da sensibilidade. Os fenômenos da sensibilidade são estados passivos da mente e, portanto, não têm caráter moral em si mesmos. A fé, considerada uma virtude, não pode consistir em algum estado involuntário da mente. Está representada na Bíblia como um estado ativo e muito eficiente. Trabalha e "trabalha por amor". Produz "a obediência da fé". Dizem que os cristãos devem ser santificados pela fé que está em Cristo. De fato, a Bíblia, em uma grande variedade de instâncias e maneiras, representa a fé em Deus e em Cristo como uma forma cardeal de virtude e como a mola mestra de uma vida exteriormente santa. Por conseguinte, não pode consistir em algum estado involuntário da mente.

 

O que é a f é evangélica.

Visto que a Bíblia representa uniformemente a fé salvadora ou evangélica como uma virtude, sabemos, portanto, que tem de ser um fenômeno da vontade. É um estado eficiente da mente e, portanto, tem de consistir na aceitação da verdade pelo coração ou pela vontade. E o fechamento da vontade com as verdades do Evangelho. É o ato da alma se entregar ou se comprometer com as verdades do sistema evangélico. É uma confiança em Cristo, uma entrega da alma e de todo o ser ao Senhor, nos seus vários ofícios e relações com os homens. É uma segurança nEle e no que está revelado a seu respeito em sua palavra. E descansar em sua providência pelo poder do Espírito.

A mesma palavra que no Novo Testamento é freqüentemente traduzida por fé também se traduz por confiar, como, por exemplo: "Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia" (Jo 2.24). "Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?" (Lc 16.11). Nestas passagens a palavra traduzida por confiar é a mesma palavra traduzida por fé. É uma confiança em Deus e em Cristo, conforme está revelada na Bíblia e na razão. É uma recepção do testemunho de Deus concernente a Ele mesmo e relativo a todas as coisas das quais falou. E um recebimento de Cristo pelo que Ele é em seu Evangelho, e uma rendição não qualificada da vontade e do ser inteiro ao Senhor.

 

O que está implícito na fé evangélica?

1. Implica uma percepção intelectual dos fatos e verdades cridos. Ninguém pode crer no que não entende. E impossível crer que a mente possa entender aquilo que não lhe foi revelado. Tem sido erroneamente presumido que a fé não precisou de luz, ou seja, que não é essencial à fé entendermos as doutrinas ou os fatos a que somos chamados a crer. Esta é uma pressuposição falsa, pois como podemos crer ou confiar no que não entendemos? Primeiro tenho de entender qual é a proposição, o fato, a doutrina ou a coisa antes de poder dizer se eu creio ou se devo crer ou não. Se você me declarar uma proposição numa língua que não conheço e me perguntar se eu creio, tenho de responder que não, porque não entendo os termos da proposição. Talvez eu viesse a crer na verdade expressa ou talvez não, não sei, até que eu entendesse a proposição. Qualquer fato ou doutrina não compreendidos são como uma proposição apresentada num idioma desconhecido. É impossível que a mente a receba ou rejeite, creia ou descreia até que seja compreendida. Podemos receber ou crer numa verdade, ou fato, ou doutrina, não mais além do limite do que entendemos. Na medida que o entendemos, até a essa medida cremos, embora possamos não entender tudo a respeito. Por exemplo: Eu posso crer na divindade e humanidade de Jesus Cristo. Que Ele é tanto Deus quanto homem é um fato que posso entender. Assim, até esse ponto posso crer. Mas não consigo entender como é que a sua divindade e a sua humanidade se unem. Portanto, eu só creio no fato de que estão juntas; não sei absolutamente nada sobre o modo quo da união e não creio mais do que sei. Assim posso entender que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma unidade. Que o Pai é Deus, que o Filho é Deus, que o Espírito Santo é Deus, que estes três são pessoas divinas posso entender como fato. Também posso entender que não há contradição ou impossibilidade no fato declarado de que estes três são um em substância; que em sentido diferente são um em três; que são três em um sentido e um em outro. Entendo que isto pode ser um fato e então posso crer. Mas o modo quo da união não entendo nem creio, ou seja, eu não tenho teoria, idéia, dados sobre o assunto, não tenho opinião e, por conseguinte, não tenho fé sobre a maneira pela qual estão unidos. Então, a fé em qualquer fato ou doutrina implica que o intelecto tem uma idéia, ou que a alma tem uma compreensão, uma opinião do que o coração aceita ou crê.

2. A fé evangélica implica a apropriação das verdades do Evangelho para nós mesmos. Exige uma aceitação de Cristo como nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção. A alma que verdadeiramente crê, aceita que Cristo provou a morte por todos os homens. Apreende Cristo como o Salvador do mundo, como oferecido a todos e o recebe para si mesma. Apropria-se para si mesma de sua expiação, ressurreição, intercessão e suas promessas. Cristo é apresentado no Evangelho não só como o Salvador do mundo, mas também para a aceitação individual dos homens. Ele é aceito pelo mundo não mais do que é aceito por indivíduos. Ele salva o mundo não mais do que salva os indivíduos. Ele morreu pelo mundo, porque morreu pelos indivíduos que compõem a raça. A fé evangélica implica a convicção das verdades da Bíblia, a apreensão das verdades há pouco nomeadas e uma recepção delas e aceitação pessoal e apropriação de Cristo para satisfazer as necessidades de cada alma.

3. A fé evangélica implica uma vida evangélica. Isto não seria verdade se a fé fosse somente um estado ou exercício intelectual. Mas visto que, como vimos, a fé é do coração, visto que consiste na entrega da vontade a Cristo, segue-se, por uma lei da necessidade, que a vida corresponderá à fé. Que isto seja mantido em perpétua lembrança.

4. A fé evangélica implica arrependimento diante de Deus. A fé evangélica diz respeito particularmente a Jesus Cristo e sua salvação. E uma aceitação de Cristo e sua salvação. Claro que implica arrependimento diante de Deus, ou seja, uma mudança desde o pecado para Deus. A vontade não pode ser submetida a Cristo, não pode recebê-lo como está apresentado no Evangelho, enquanto negligencia o arrependimento diante de Deus, enquanto rejeita a autoridade do Pai, não pode aceitar o Filho e submeter-se a Ele.

5. A benevolência desinteressada ou um estado de boa vontade do ser humano estão implícitos na fé evangélica, pois isto é a entrega da alma a Deus e a Cristo em toda a obediência. Então, tem de implicar companheirismo com o Senhor em relação ao grande fim no qual o seu coração está estabelecido e pelo qual ele vive. Uma rendição da vontade e da alma ao Senhor tem de implicar a aceitação do mesmo fim que Ele abarca.

6. Implica um estado da sensibilidade que corresponde às verdades cridas. Ou seja, este estado da sensibilidade é um resultado da fé mediante uma lei da necessidade, e este resultado se segue necessariamente a aceitação de Cristo e do seu Evangelho pelo coração.

7. Claro que implica paz de mente. Em Cristo a alma encontra sua salvação plena e vigente. Encontra justificação que produz o senso de perdão e aceitação. Encontra santificação ou graça para libertar-se do poder reinante do pecado. Encontra todos os seus desejos satisfeitos e toda a graça necessária oferecida para sua ajuda. Não vê causa de perturbação, nada a pedir ou desejar que não esteja entesourado em Cristo. Deixou de fazer guerra com Deus -- consigo mesma. Encontra seu lugar de repouso em Cristo e descansa na paz profunda sob a sombra do Todo-Poderoso.

8. Tem de implicar a existência na alma de toda virtude, porque é uma entrega do ser inteiro à vontade de Deus. Por conseguinte, todas as fases da virtude exigidas pelo Evangelho devem estar implícitas como existentes, quer em um estado desenvolvido, quer não desenvolvido, em todo o coração que verdadeiramente recebe Cristo pela fé. Certas formas ou modificações de virtude não podem em todos os casos encontrar ocasião de desenvolvimento, mas é certo que toda modificação da virtude se manifestará à medida que a oportunidade surgir, se houver uma fé verdadeira e viva em Cristo. Isto se conclui da própria natureza da fé.

9. A presente fé evangélica implica um estado de não pecaminosidade vigente. Observe que a fé é a entrega, mediante o compromisso, da vontade inteira e do ser inteiro a Cristo. Isto, e nada menos que isto, é fé evangélica. Compreende, também, o todo da verdadeira e vigente obediência a Cristo. Esta é a razão por que a fé é falada como a condição e, por assim dizer, a única condição de salvação. Realmente implica toda a virtude. A fé pode ser considerada como uma forma distinta de virtude e como um atributo de amor, ou como inclusiva de toda a virtude. Quando considerada como um atributo de amor é apenas um ramo da santificação. Quando considerada no sentido mais amplo de conformidade universal da vontade à vontade de Deus, então é sinônimo da inteira santificação vigente. Considerada sob qualquer luz, sua existência no coração deve ser incompatível com o pecado presente. A fé é uma atitude da vontade e é completamente incompatível com a vigente rebelião da vontade contra Cristo. Isto tem de ser verdade, ou então o que é fé?

10. A fé implica a recepção e a prática de toda verdade conhecida ou percebida. O coração que aceita e recebe a verdade como verdade, e porque é verdade, tem obviamente de receber toda a verdade conhecida. Porque é completamente impossível que a vontade aceite um pouco da verdade percebida por uma razão benevolente e rejeite outra verdade percebida. Toda verdade é harmoniosa. Uma verdade sempre é consistente com todas as outras verdades. O coração que em verdade aceita uma, irá, pela mesma razão, aceitar todas as verdades conhecidas. Assim, qualquer verdade revelada é realmente recebida, tornando-se impossível que toda a verdade não seja recebida assim que for conhecida.

 

O que a incredulidade não é.

1. Não é ignorância da verdade. Ignorância é um espaço em branco, é a negação ou ausência de conhecimento. Esta certamente não pode ser a incredulidade representada na Bíblia como um pecado odioso. A ignorância pode ser uma conseqüência da incredulidade, mas não lhe pode ser idêntica. Podemos ser ignorantes de certas verdades como conseqüência de rejeitar outras, mas esta ignorância não é, como veremos, incredulidade.

2. A incredulidade não é a negação ou ausência de fé. Isto seria um mero nada -- uma não-entidade. Mas um mero nada não é aquela coisa abominável que as Escrituras representam como um pecado grande e condenável.

3. Não pode ser fenômeno do intelecto ou ceticismo intelectual. Este estado do intelecto pode ser o resultado do estado da mente adequadamente denominado de incredulidade, mas não lhe pode ser idêntico. A dúvida intelectual ou incredulidade é muitas vezes o resultado da incredulidade assim adequadamente chamada, mas a incredulidade, quando considerada como pecado, nunca deveria ser confundida com infidelidade teórica ou intelectual. Elas são tão completamente distintas quanto o são dois fenômenos da mente.

4. Não pode consistir em sentimentos ou emoções de incredulidade, dúvida ou oposição à verdade. Em outras palavras, a incredulidade como pecado não pode ser um fenômeno da sensibilidade. O termo incredulidade é, às vezes, usado para expressar ou designar um estado do intelecto e, outras vezes, da sensibilidade. Por vezes é usado para designar um estado de incredulidade intelectual, dúvida, desconfiança, ceticismo. Mas quando usado neste sentido, o caráter moral não é, com razão, a afirmação do estado da mente que o termo incredulidade representa.

Às vezes, o termo expressa um mero sentimento de incredulidade com respeito a verdade. Mas não caracteriza o estado de caráter moral da mente, nem pode caracterizar, pela fato de ser involuntário. Em resumo, a incredulidade tão duramente denunciada na Bíblia como uma abominacão muito exasperante, não pode consistir em qualquer estado involuntário da mente.

 

O que é incredulidade.

O termo, como empregado nas passagens bíblicas que representam a incredulidade como pecado, tem de designar um fenômeno da vontade. Deve ser um estado voluntário da mente. Deve ser o oposto da fé evangélica. A fé é a recepção da vontade; a incredulidade, a rejeição da vontade, da verdade. A fé é a confiança da alma na verdade e no Deus da verdade. A incredulidade é a confiança retentora da alma proveniente da verdade e do Deus da verdade. É a rejeição central da evidência e a recusa de ser influenciada por ela. É a vontade na atitude de oposição à verdade percebida ou evidência apresentada. O ceticismo intelectual ou incredulidade, onde a luz é oferecida, sempre implica a incredulidade da vontade ou do coração. Pois se a mente sabe ou supõe que a luz pode ser obtida em qualquer questão de dever e não faz esforços honestos para obtê-la, esta atitude só pode ser responsável pela relutância da vontade em saber o caminho do dever. Neste caso, a luz é rejeitada. A mente tem luz na medida que sabe que mais é oferecido, mas esta luz oferecida é rejeitada. Este é o pecado da incredulidade. Toda a infidelidade é incredulidade neste sentido, e os infiéis o são não pelo desejo de luz, mas em geral porque se esforçam demais para fechar os olhos a ela. A incredulidade tem de ser um estado voluntário da vontade, como distinto de uma mera volição ou ato executivo da vontade. A volição pode e freqüentemente produz descrença mediante palavras e ações, expressões e manifestações de incredulidade. Mas a volição é apenas um resultado da incredulidade e não lhe é idêntica. A incredulidade é um estado mais profundo, mais eficiente e mais permanente da mente do que a mera volição. É a vontade em sua mais entranhável oposição à verdade e vontade de Deus.

 

Condições da fé e da incredulidade

1. Uma revelação à mente da verdade e vontade de Deus deve ser uma condição da fé e da incredulidade. Que seja lembrado que nem a fé nem a incredulidade são coerentes com uma ignorância total. Não pode haver incredulidade mais do que há luz.

2. A respeito daquela classe de verdades que só são discernidas sob a condição da iluminação divina, tal iluminação deve ser uma condição para a fé e para a incredulidade. Deve ser acentuado que quando uma verdade foi revelada uma vez pelo Espírito Santo à alma, a continuação da luz divina não é essencial para a continuação da incredulidade. A verdade, uma vez conhecida e alojada na memória, pode continuar sendo resistida, quando o agente que a revelou é retirado.

3. A percepção intelectual é uma condição da incredulidade do coração. O intelecto tem de ter evidência da verdade como condição de uma convicção virtuosa na verdade. Assim o intelecto tem de ter evidência da verdade como condição de uma rejeição maldosa da verdade. Portanto, a luz intelectual é a

condição tanto da fé do coração quanto da incredulidade do coração. Pela afirmação de que a luz intelectual é uma condição da incredulidade não se quer dizer que o intelecto a toda hora admita teoricamente a verdade, mas que a evidência deve ser tal que em virtude de suas próprias leis a mente ou intelecto pode admitir com justiça a verdade rejeitada pelo coração. É caso muito comum que o incrédulo negue em palavras e empreenda refutar teoricamente o que ele não obstante presume como verdadeiro em todos os seus julgamentos práticos.

 

 

A culpa e o merecimento da incredulidade

Vimos, em ocasião anterior, que a culpa do pecado é condicionada e graduada pela luz sob a qual o pecado é cometido. A quantidade de luz é a medida da culpa em todos os casos de pecado. Isto é verdade acerca de todos os pecados. Mas é peculiarmente manifesto no pecado da incredulidade, pois a incredulidade é a rejeição da luz, é o egoísmo na atitude de rejeitar a verdade. Claro que a quantidade de luz rejeitada e o grau de culpa em rejeitá-la são iguais. Isto é presumido em todos lugares e ensinado na Bíblia, sendo, com clareza, a doutrina da razão.

A culpa da incredulidade sob a luz do Evangelho deve ser indefinidamente maior do que somente quando a luz da natureza é rejeitada. A culpa da incredulidade, em casos onde a iluminação divina especial foi desfrutada, deve ser imensa e incalculavelmente maior do que onde a mera luz do Evangelho foi desfrutada sem uma iluminação especial do Espírito Santo.

A culpa da incredulidade naquele que se converteu e conheceu o amor de Deus deve ser incomparavelmente maior do que a de um pecador comum. Essas coisas implícitas na incredulidade demonstram que deve ser uma das mais provocantes abominações a Deus no Universo. É a perfeição de tudo o que é irracional, injusto e ruinoso. É infinitamente difamador e desonroso a Deus e destrutivo ao homem e a todos os interesses do Reino de Deus.

 

Conseqüências naturais e governativas da fé e da incredulidade

Por conseqüências naturais se quer dizer conseqüências que fluem da constituição e das leis da mente por uma necessidade natural. Por conseqüências governativas se quer dizer as que são o resultado da constituição, das leis e da administração do governo moral.

1. Uma das conseqüências naturais da fé é a paz de consciência. Quando a vontade recebe a verdade e se entrega em conformidade com ela, a consciência está satisfeita com sua atitude atual e a pessoa fica em paz consigo mesma. A alma está, então, num estado de se respeitar realmente a si mesma e pode, por assim dizer, ver a própria face sem ficar ruborizada. Mas a fé na verdade percebida é a condição inalterável de a pessoa estar em paz consigo mesma. Uma conseqüência governativa da fé é a paz com Deus:

(1) No sentido de que Deus está satisfeito com a vigente obediência da alma. É determinada a ser influenciada por toda a verdade e isto é inclusivo de todo dever. Claro que Deus está em paz com a alma na medida que sua obediência vigente está relacionada.

(2) A fé resulta governativamente em paz com Deus, no sentido de ser uma condição do perdão e aceitação. Quer dizer, a penalidade da lei pelos pecados passados é remida sob a condição da verdadeira fé em Cristo. A alma não só precisa de obediência presente e futura, como condição necessária de paz consigo mesma, mas também precisa de perdão e aceitação por parte do governo pelos pecados passados, como condição de paz com Deus. Mas visto que o tema da justificação ou aceitação a Deus deve vir à baila como um tema distinto a ser considerado, nada mais acrescentarei sobre o assunto aqui.

2. A auto-condenação é uma das conseqüências naturais da incredulidade. Tais são a constituição e as leis da mente que é naturalmente impossível para a mente justificar a rejeição da verdade pelo coração. Ao contrário, a consciência necessariamente condena tal rejeição e pronuncia julgamento contra ela.

A condenação legal é uma conseqüência governativa necessária da incredulidade. Nem o governo justo justifica a rejeição da verdade conhecida. Pelo contrário, todos os governos justos têm de detestar e condenar totalmente a rejeição das verdades, especialmente das verdades que se relacionam com a obediência do sujeito e o bem-estar maior dos governantes e governados. O governo de Deus tem de condenar e detestar inteiramente toda a incredulidade, como rejeição dessas verdades indispensáveis ao bem-estar maior do Universo.

3. Uma vida santa ou obediente é o resultado da fé por uma lei natural ou necessária. A fé é um ato da vontade que controla a vida por uma lei da necessidade. Conclui-se, evidentemente, que quando o coração recebe ou obedece a verdade, a vida exterior deve ser conformada à verdade recebida ou obedecida.

4. Uma vida desobediente e profana é o resultado da incredulidade também por uma lei da necessidade. Se o coração rejeita a verdade, claro que a vida não será conformada à verdade rejeitada.

5. A fé desenvolverá toda forma de virtude no coração e na vida à medida que as oportunidades surgirem. Consiste no compromisso da vontade com a verdade e ao Deus da verdade. Claro que à medida que ocasiões diferentes surgirem, a fé afiançará conformidade a toda a verdade em todos os assuntos e, então, toda modificação da virtude existirá no coração e aparecerá na vida à medida que as circunstâncias na providência de Deus a desenvolverem.

6. Pode esperar-se que a incredulidade desenvolva resistência a toda a verdade em todos os assuntos que estão em conflito com o egoísmo. Conseqüentemente nada mais lógico que o egoísmo em alguma forma possa conter seu aparecimento em qualquer outra forma possível ou concebível. Consiste, que seja lembrado, na rejeição central da verdade e implica a separação do erro. O resultado natural deve ser o desenvolvimento no coração e o aparecimento na vida de toda forma de egoísmo que não é evitado por alguma outra forma. Por exemplo, a avareza pode conter a amatividade, a intemperança e muitas outras formas de egoísmo.

7. A fé resulta governativamente na obtenção da ajuda de Deus. Deus pode e gratuitamente ajuda os que não têm fé. Mas este não é um resultado ou ato governativo em Deus. Mas para o obediente, Ele estende a sua proteção e ajuda governativa.

8. A fé deixa Deus habitar e reinar na alma. A fé recebe não só a expiação e obra mediadora de Cristo como Redentor do castigo, mas também recebe Cristo como Rei sentado em seu trono e reinando no coração. A fé garante para a alma a comunhão com Deus.

9. A incredulidade impede a entrada de Deus na alma, no sentido de recusar o seu reinado no coração. Também exclui a alma de um interesse na obra mediadora de Cristo. Isto não é o resultado de um compromisso arbitrário, mas uma conseqüência natural. A incredulidade impede a entrada da alma na comunhão com Deus.

Estas são sugestões de algumas das conseqüências naturais e governativas da fé e da incredulidade. Não são projetadas para esvaziar o tema, mas somente para chamar a atenção a tópicos que qualquer pessoa que desejar pode investigar por prazer próprio. Deve ser assinalado aqui que nenhum dos caminhos, mandamentos ou compromissos de Deus é arbitrário. A fé é uma condição da salvação naturalmente indispensável, sendo, portanto, a razão de ela se tornar uma condição governativa. A incredulidade torna a salvação naturalmente impossível, então, tem de torná-la governativamente impossível.

 

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