A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 17

REGENERAÇÃO

 

No exame desse assunto irei:

Destacar a distinção comum entre regeneração e conversão.

1. Regeneração é o termo usado por alguns teólogos para expressar a agência divina na mudança do coração. Para eles, a regeneração não inclui nem implica a atividade do indivíduo, antes a exclui. Esses teólogos, conforme se verá no devido tempo, sustentam que uma mudança de coração é primeiro efetivada pelo Espírito Santo enquanto o indivíduo é passivo; tal mudança forma uma base para o exercício, pelo indivíduo, de arrependimento, fé e amor.

2. O termo conversão para eles expressa a atividade e mudança do indivíduo, depois que a regeneração é efetuada pelo Espírito Santo. A conversão para eles não inclui nem implica a agência do Espírito Santo, mas expressa apenas a atividade do indivíduo. Para eles o Espírito Santo primeiro regenera ou muda o coração, após o que o pecador muda ou se converte. De modo que Deus e o indivíduo agem, cada um por sua vez. Deus primeiro muda o coração e, como conseqüência, o indivíduo depois se converte ou volta-se para Deus. Assim, o indivíduo é passivo na regeneração, mas ativo na conversão.

Quando chegarmos ao exame das teorias filosóficas da regeneração, veremos que as concepções desses teólogos a respeito da regeneração

resultam natural e necessariamente do fato de defenderem o dogma da depravação moral constitutiva, que examinamos há pouco. Até que suas idéias sobre tal assunto sejam corrigidas, não se pode esperar qualquer mudança em suas concepções a respeito deste assunto.

 

As razões alistadas em favor dessa distinção.

1. O termo original expressa e implica claramente algo à parte da agência do indivíduo.

2. Precisamos e devemos adotar um termo que expresse a agência divina.

3. A regeneração é expressamente atribuída ao Espírito Santo.

4. A conversão, uma vez que implica e expressa a atividade e mudança do indivíduo, não inclui nem implica qualquer agência divina e, portanto, não implica nem expressa o que se entende por regeneração.

5. Uma vez que duas agências são de fato empregadas na regeneração e conversão de um pecador, é necessário adotar termos que ensinem esse fato com clareza e façam distinção nítida entre a agência de Deus e da criatura.

6. Os termos regeneração e conversão expressam de modo adequado essa distinção e, portanto, devem ser teologicamente empregados.

 

As objeções a essa distinção

1. O termo original gennao, com seus derivados, pode ser traduzido: (1) Gerar. (2) Produzir ou dar à luz. (3) Ser gerado. (4) Ser nascido ou trazido à luz.

2. Regeneração é, na Bíblia, o mesmo que o novo nascimento.

3. Nascer de novo é o mesmo, no uso bíblico do termo, que ter um novo coração, ser nova criatura, passar da morte para a vida. Em outras palavras, nascer de novo é ter um novo caráter moral, tornar-se santo. Regenerar é tornar santo. Nascer de Deus, sem dúvida, expressa e inclui a agência divina, mas também inclui e expressa aquilo para o que a agência divina é empregada, a saber, tornar santo o pecador. Decerto não é regenerado o pecador cujo caráter moral não é mudado. Se fosse, como se poderia afirmar verdadeiramente que quem é nascido de Deus vence o mundo, não comete pecado, não pode pecar, etc? Se a regeneração não implica nem inclui uma mudança de caráter moral no indivíduo, como a regeneração pode ser condição da salvação? O fato é que o termo regeneração, ou ser nascido de Deus, é designado para expressar primeira e principalmente o que foi feito, ou seja, o ato de tornar santo um pecador, e expressa também o fato de que a agência de Deus induz a mudança. Tire-se a idéia do que é feito, ou seja, a mudança do caráter moral no indivíduo, e ele não seria nascido de novo, não seria regenerado e não se poderia dizer de fato, nesse caso, que Deus o regenerou.

Objeta-se que o termo realmente significa e expressa apenas a agência divina; e, só por implicação abarca a idéia de uma mudança de caráter moral e, é claro, de atividade no indivíduo. A isso replico:

(1) Que se de fato expressa apenas a agência divina, deixa de fora a idéia daquilo que é efetuado pela agência divina.

(2) Que ele expressa real e plenamente não só a agência divina, mas também aquilo que essa agência cumpre.

(3) Aquilo que é gerado pela agência de Deus é um nascimento novo ou espiritual, uma ressurreição da morte espiritual, a indução de uma vida nova e santa. O resultado obtido é a idéia proeminente expressa ou denotada pelo termo.

(4) O resultado obtido implica a mudança ou atividade do indivíduo. Não faz sentido afirmar que seu caráter moral é mudado sem nenhuma atividade ou agência dele mesmo. Santidade passiva é impossível. Santidade é obediência à lei de Deus, a lei do amor e, é claro, consiste na atividade da criatura.

(5) Dissemos que regeneração é sinônimo, na Bíblia, de novo coração. Mas requer-se que os pecadores formem para si um novo coração, o que não poderiam fazer se não fossem ativos nessa mudança. Se a obra é uma obra de Deus, num sentido tal que é preciso que o homem primeiro regenere o coração ou alma antes que se inicie a agência do pecador, seria absurdo e injusto requerer dele que formasse para si um novo coração, antes que fosse primeiro regenerado.

A regeneração é atribuída ao homem no Evangelho, o que não poderia ocorrer se o termo fosse designado para expressar apenas a agência do Espírito Santo. "Porque, ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não ferieis, contudo, muitos pais; porque eu, pelo evangelho, vos gerei em Jesus Cristo" (1 Co 4.15).

(6) A conversão é considerada na Bíblia obra de outro, que não o próprio indivíduo; portanto não pode ter sido designada para expressar apenas a atividade do próprio indivíduo.

(a) Ela é atribuída à Palavra de Deus. "A lei do SENHOR é perfeita e refrigera a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices" (SI 19.7).

(b) Ao homem: "Irmãos, se algum de entre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter, saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados" (Tg 5.19,20).

Tanto a conversão como a regeneração são às vezes na Bíblia atribuídas a Deus, às vezes ao homem e às vezes ao indivíduo; o que mostra claramente que a distinção sob análise é arbitrária e teológica, não bíblica. O fato é que ambos os termos implicam o exercício simultâneo da agência humana e divina. O fato de que um novo coração é o resultado demonstra a atividade do indivíduo, e a palavra regeneração ou a expressão "nascido do Espírito Santo" (Jo 3.5) afirma a agência divina. O mesmo se diz da conversão ou do ato de o pecador voltar-se para Deus. Diz-se que Deus o faz voltar-se e que ele se volta para Deus. Deus o atrai, e ele segue. Em ambas Deus e o homem estão igualmente ativos, e a atividade deles é simultânea. Deus age ou atrai, e o pecador cede ou se volta, o que eqüivale a dizer: muda o coração ou, em outras palavras, é nascido de novo. O pecador está morto em transgressões e pecados. Deus o chama: "Desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá" (Ef 5.14). Deus chama; o pecador ouve e responde, Eis-me aqui; Deus diz, Levanta-te dentre os mortos. O pecador coloca-se em atividade, e Deus o conduz para a vida; ou, antes, Deus conduz, e o pecador surge para a vida.

(7) A distinção estabelecida não só não é reconhecida na Bíblia, como é evidentemente a mais danosa tendência por dois motivos:

(a) Pressupõe e inculca uma falsa filosofia de depravação e regeneração.

(b) Leva o pecador a esperar ser regenerado antes de se arrepender ou se voltar para Deus. E tendência por demais fatal representar o pecador como alguém que necessita aguardar passivamente ser regenerado antes de se entregar a Deus.

Uma vez que a distinção não é apenas arbitrária, mas antibíblica e injuriosa, e uma vez que é fundamentada numa filosofia falsa e perniciosa sobre a questão da depravação e da regeneração, sendo designada para ensiná-la, deixarei e descartarei a distinção; e em nossa investigação daqui em diante, que se entenda que uso regeneração e conversão como termos sinônimos.

 

O que não é regeneração.

Não é uma mudança na substância da alma ou corpo. Se fosse, os pecadores não poderiam ser exigidos a efetuá-la. Tal mudança não se constituiria uma mudança de caráter moral. Não é necessária uma mudança dessas, uma vez que o pecador possui todas as faculdades e atributos naturais para prestar obediência perfeita a Deus. Tudo o que precisa é ser induzido a usar essas faculdades e atributos como deve. As palavras conversão e regeneração não implicam qualquer mudança de substância, mas só uma mudança de estado moral ou caráter moral. Os termos não são empregados para expressar uma mudança física, mas moral.

A regeneração não expressa ou implica a criação de alguma nova faculdade ou atributo de natureza, nem alguma mudança, qualquer que seja, na constituição do corpo ou mente. Devo discorrer mais sobre esse ponto quando chegarmos ao exame das teorias filosóficas da regeneração aludidas anteriormente.

 

O que é regeneração.

Diz-se que a regeneração e uma mudança no coração são idênticas. É importante inquirir o uso bíblico do termo coração. O termo, como muitos outros, é empregado na Bíblia em vários sentidos. O coração é com freqüência mencionado na Bíblia, não só como algo que possui caráter moral, mas como a nascente de ação moral ou como a fonte da qual fluem bons e maus atos e, é claro, como o que constitui a fonte de santidade ou de pecado, ou, ainda em outras palavras, como algo que compreende, estritamente falando, todo o caráter moral. "Mas o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias" (Mt 15.18,19); "Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca. O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más" (Mt 12.34, 35). Quando o coração é assim representado como algo que possui caráter moral e como a fonte do bem e do mal, não pode significar:

1. O órgão físico que impele o sangue.

2. Não pode significar a substância da alma ou a própria mente: a substância não pode possuir em si caráter moral.

3. Não pode ser uma faculdade ou atributo natural.

4. Não pode consistir em algum gosto, atrativo ou apetite constitutivo, pois esses não podem possuir em si caráter moral.

5. Não é a sensibilidade ou a faculdade sensitiva da mente: pois vimos que o caráter moral não pode ser atribuído a ela. E verdade, e que se compreenda isso, que o termo coração é empregado na Bíblia nesses sentidos, mas não quando o coração é considerado a fonte da ação moral. Quando o coração é representado como algo que possui caráter moral, a palavra não pode ter a intenção de designar qualquer estado mental involuntário. Pois nem a substância da alma ou do corpo, nem algum estado involuntário da mente podem, em hipótese alguma, possuir caráter moral em si. A própria idéia de caráter moral implica e sugere a idéia de uma ação ou intenção livre. Negar isso seria negar uma verdade primeira.

6. O termo coração, quando aplicado à mente, é figurativo e significa algo na mente que possui algum ponto de semelhança com o órgão físico desse nome, e uma consideração da função do órgão físico manifestará a verdadeira idéia do que seja coração da mente. O coração do corpo impele a corrente vital e sustenta a vida orgânica. E a fonte da qual corre o fluido vital, da qual pode brotar ou a vida ou a morte, de acordo com o estado do sangue. A mente, bem como o corpo, possui um coração que, conforme vimos, é apresentado como a fonte ou como uma influência propulsora eficiente de onde flui o bem ou o mal, dependendo de o coração ser bom ou mau. Esse coração é considerado, não só a fonte do bem e do mal, mas bom ou mau em si, algo que constitui o caráter do homem, e não só algo dotado de caráter moral.

Ele é também apresentado como algo sobre o qual temos controle, pelo qual somos responsáveis e que, no caso de ser perverso, somos obrigados a mudar sob pena de morte. De novo: o coração, no sentido em que estamos considerando, é aquele cuja mudança radical constitui-se uma mudança radical de caráter moral. Isso fica claro em Mateus 12.34,35; 15.18,19 já considerados.

7. Nossa própria consciência, portanto, deve-nos informar que o coração da mente que possui essas características nada mais pode ser, se não a suprema intenção última da alma. A regeneração é apresentada na Bíblia como algo que constitui uma mudança radical de caráter, como a ressurreição da morte no pecado, como o início de uma vida nova e espiritual, como o que constitui uma nova criatura, como uma nova criação, não uma criação física, mas uma criação moral ou espiritual, como conversão ou voltar-se para Deus, como entrega do coração a Deus, como amar a Deus de todo o nosso coração e a nosso próximo como a nós mesmos. Ora, vimos abundantemente que o caráter moral pertence à escolha última ou intenção da alma, sendo um atributo dela.

A regeneração, portanto, é uma mudança radical da intenção última e, obviamente, do fim ou alvo da vida. Vimos que a escolha de um fim é eficiente em produzir volições executivas ou o uso dos meios para obter seu fim. Uma escolha última egoísta é, pois, um coração perverso, do qual flui todo o mal; e uma escolha última benevolente é um coração bom, do qual fluem todo o bem e atos louváveis.

A regeneração, para possuir as características atribuídas a ela na Bíblia, deve consistir numa mudança na atitude da vontade, ou numa mudança em sua escolha, intenção ou preferência última; uma mudança que troque o egoísmo pela benevolência; a escolha da gratificação própria como o fim último e supremo da vida pela escolha suprema e última do máximo bem-estar de Deus e do universo; de um estado de inteira consagração ao interesse próprio, indulgência própria, gratificação própria, por si ou como um fim, e como o fim supremo da vida, para um estado de inteira consagração a Deus e aos interesses de seu reino como o supremo e último fim da vida.

 

A necessidade universal de regeneração

1. A necessidade de regeneração como condição para salvação deve ter a mesma extensão da depravação moral. Isso tem-se mostrado universal entre os agentes morais irregenerados de nossa raça. E certamente impossível que um mundo ou um universo de seres egoístas ou não santos seja feliz. É intuitivamente certo que sem benevolência ou santidade nenhum ser moral pode ser de fato feliz. Sem regeneração, uma alma egoísta não tem possibilidade de estar apta para as ocupações ou os prazeres do Céu.

2. As Escrituras ensinam de modo expresso a necessidade universal de regeneração. "Jesus respondeu e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus" (Jo 3.3); "Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura" (Gl 6.15).

 

Agências empregadas na regeneração.

1. As Escrituras com freqüência atribuem a regeneração ao Espírito de Deus. "Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo 3.5,6); "Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus" (Jo 1.15).

2. Vimos que o indivíduo é ativo na regeneração, que a regeneração consiste em o pecador mudar sua escolha, intenção, preferência última; ou em mudar do egoísmo para o amor ou benevolência; ou, em outras palavras, em voltar-se da suprema escolha da gratificação própria para o supremo amor a Deus e a amor equivalente a seu próximo. É claro que o objeto da regeneração deve ser um agente na obra.

3. Há em geral outros agentes, um ou mais agentes humanos ocupados em persuadir o pecador a converter-se. A Bíblia reconhece tanto o indivíduo como o pregador como agentes na obra. Assim, Paulo diz: "Porque eu, pelo evangelho, vos gerei em Jesus Cristo" (1 Co 4.15). Aqui é empregada a mesma palavra que consta em outro trecho em que a regeneração é atribuída a Deus.

Ainda, um apóstolo diz: "Purificando a vossa alma na obediência à verdade..." (1 Pe 1.22). Aqui a obra é atribuída ao indivíduo. Há, pois, sempre dois e, em geral, mais que dois agentes empregados em efetuar a obra. Alguns teólogos têm sustentado que a regeneração é a obra apenas do Espírito Santo. Para provar isso citam passagens que a atribuem a Deus. Mas posso com igual legitimidade insistir que se trata de uma obra só do homem e citar, para fundamentar minha posição, aquelas passagens que a atribuem ao homem. Ou posso asseverar que é obra apenas do indivíduo, e em prova dessa posição citar aquelas passagens que a atribuem ao indivíduo. Ou, ainda, posso asseverar que é efetuada apenas pela verdade, e citar passagens como as seguintes para fundamentar minha posição: "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas" (Tg 1.18); "Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente" (1 Pe 1.23).

É comum considerar a terceira pessoa um mero instrumento na obra. Mas o fato é que se trata de um agente que deseja, planeja, é responsável, tanto quanto Deus ou o indivíduo.

Caso se indague como a Bíblia pode ser coerente ao atribuir a regeneração ora a Deus, ora ao indivíduo, ora à verdade, ora a uma terceira pessoa, a resposta deve ser buscada na natureza da obra. A obra realizada é uma mudança de escolha com respeito a um fim ou o fim da vida. O pecador cuja escolha é mudada deve, é claro, agir. O fim a ser mudado deve ser apresentado de modo claro e convincente; essa é a obra do Espírito Santo. O Espírito toma as circunstâncias de Cristo e as apresenta à alma. A verdade é empregada, ou é a verdade que deve necessariamente ser empregada, como instrumento para induzir uma mudança de escolha.

 

Instrumentos empregados na obra.

1. Verdade. Ela deve, pela natureza da regeneração, ser empregada em sua execução, pois a regeneração é nada mais que a vontade sendo devidamente influenciada pela verdade.

2. Pode haver, e amiúde há, muitas providências ocupadas em iluminar a mente e em induzir a regeneração. São instrumentos. São meios ou recursos para apresentar a verdade. Misericórdias, julgamento, homens, medidas e, em suma, todo o tipo de elementos que conduzem à iluminação da mente, são instrumentos empregados em sua execução.

Os que defendem a depravação moral física ou constitutiva devem sustentar, é claro, a regeneração constitutiva; e, é claro, a coerência os compele a manter que só há um agente empregado na regeneração e que este é o Espírito Santo, e que instrumento algum é empregado, porque a obra é, de acordo com eles, um ato de poder criador; que a própria natureza é mudada e, é claro, nenhum instrumento pode ser empregado, assim como não pôde ser empregado na criação do mundo. Esses teólogos têm afirmado, vezes e mais vezes, que a regeneração é um milagre; que não há capacidade alguma no Evangelho, qualquer que seja sua apresentação, seja ele apresentado por Deus ou por um homem, de regenerar o coração. Dr. Griffin, em suas aulas na Rua Park, sustenta que o Evangelho, em sua tendência natural e necessária, só cria e perpetua a oposição e o ódio a Deus, até que o coração seja mudado pelo Espírito Santo. Ele entende que a mente carnal não é um estado voluntário da mente, não uma submissão à carne, mas a própria natureza e constituição da mente; e essa inimizade contra Deus é parte, atributo ou apetite da própria natureza. Por conseguinte, ele deve negar a capacidade de o Evangelho regenerar a alma. Tem sido proclamado por essa classe de teólogos, vezes sem conta, que não há ligação filosófica entre a pregação do Evangelho e a regeneração dos pecadores, nenhuma capacidade no Evangelho de produzir esse resultado; mas, pelo contrário, que é apto para produzir um resultado oposto. As ilustrações preferidas de suas idéias tem sido a de Ezequiel profetizando aos ossos secos e a de Cristo restaurando a visão ao cego pelo emprego de lodo em seus olhos. A profecia de Ezequiel aos ossos secos não serviu para animá-los, dizem. E o lodo empregado pelo Salvador era designado mais para destruir do que restaurar a visão. Isso mostra como é fácil para os homens adotar uma filosofia perniciosa e absurda e, depois, encontrá-la ou pensar encontrá-la sustentada na Bíblia. Qual deve ser o efeito de inculcar um dogma segundo o qual o Evangelho não tem relação alguma com a regeneração de um pecador? Em vez de lhe dizer que a regeneração nada mais é do que abraçar o Evangelho, dizer que deve esperar e primeiro ter a constituição recriada, antes que tenha a possibilidade de fazer algo que não seja opor-se a Deus! Isso é dizer-lhe a maior e mais abominável e danosa das falsidades. E zombar de sua inteligência. Quê! Chamá-lo, sob risco de morte, a crer, a abraçar o Evangelho, a amar a Deus de todo o coração e, ao mesmo tempo, apresentá-lo inteiramente indefeso e, por constituição, inimigo de Deus e do Evangelho e sob a necessidade de esperar que Deus regenere sua natureza antes que lhe seja possível tomar outra atitude que não seja odiar a Deus de todo o coração!

 

Na regeneração o indivíduo é passivo e ativo.

1. Que é ativo evidencia-se pelo que foi dito e pela própria natureza da mudança.

2. Que é, ao mesmo tempo, passivo evidencia-se pelo fato de agir apenas quando recebe a ação. Ou seja, é passivo na percepção da verdade apresentada pelo Espírito Santo. Sei que essa percepção não faz parte da regeneração. Mas é simultânea à regeneração. Ela induz a regeneração. É a condição e a ocasião da regeneração. Assim, o objeto da regeneração deve receber ou perceber a verdade apresentada pelo Espírito Santo no instante da regeneração e durante esse ato. O Espírito age sobre ele pela verdade ou por seu intermédio: até então ele é passivo. Ele concorda com a verdade: aqui é ativo. Em que erro caem os teólogos que apresentam o indivíduo totalmente passivo na regeneração! Isso livra de imediato o pecador da convicção de qualquer dever ou responsabilidade nesse sentido. E maravilhoso que tal absurdo seja mantido há tanto tempo na igreja. Mas enquanto é mantido, não surpreende que os pecadores não se convertam a Deus. Enquanto o pecador crer nisso, é impossível, caso tenha em mente que deva ser regenerado. Ele pára e espera que Deus faça o que Deus requer dele, o que ninguém pode fazer por ele. Nem Deus nem qualquer outro ser podem regenerá-lo, caso ele não se decida. Se ele não mudar sua escolha, é impossível ela ser mudada. Os pecadores que foram assim ensinados e creram no que lhes foi ensinado jamais teriam sido regenerados, não fosse o Espírito Santo chamar-lhes a atenção para o erro e, antes que tivessem ciência disso, induzi-los a aceitar a oferta de vida.

 

O que está implícito na regeneração.

1. A natureza da mudança mostra que ela deve ser instantânea. É uma mudança de escolha ou de intenção. Isso deve ser instantâneo. A obra preparatória de convicção e iluminação da mente pode ser gradual e progressiva. Mas quando ocorre a regeneração, deve ser instantânea.

2. Implica uma mudança completa presente de caráter moral, ou seja, uma mudança da inteira pecaminosidade para a inteira santidade. Vimos que ela consiste numa mudança do egoísmo para a benevolência. Também vimos que o egoísmo e a benevolência não podem coexistir na mesma mente; que o egoísmo é um estado de suprema e inteira consagração a si próprio; que a benevolência é um estado de inteira e suprema consagração a Deus e ao bem do universo. A regeneração, portanto, decerto implica uma inteira mudança de caráter moral.

De novo: A Bíblia representa a regeneração como morrer para o pecado e viver para Deus. A morte no pecado é a depravação total. Isso recebe aceitação geral. Morrer para o pecado e viver para Deus deve implicar inteira santidade presente.

3. As Escrituras representam a regeneração como a condição da salvação em tal sentido que, se o indivíduo morresse imediatamente após a regeneração, sem nenhuma outra mudança, iria de imediato para o Céu.

De novo: As Escrituras só requerem perseverança no primeiro amor como condição de salvação, no caso de a alma regenerada ter longa vida sobre a Terra subseqüentemente à regeneração.

4. Quando as Escrituras requerem de nós que cresçamos na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo, isso não implica que ainda exista no coração regenerado algum pecado remanescente que sejamos instados a afastar aos poucos. Mas o espírito da exigência deve ser que devemos adquirir todo o conhecimento possível a respeito de nossas relações morais e continuar a nos conformar a toda a verdade assim que tomemos conhecimento dela. Isso, e nada mais, é o que se entende por permanecer em nosso primeiro amor ou permanecer em Cristo, viver e andar no Espírito.

 

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