A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 20

A CAPACIDADE NATURAL

 

Passaremos a seguir ao exame da questão sobre a capacidade ou a incapacidade do homem em obedecer os mandamentos de Deus. Esta, sem dúvida, deve ser questão fundamental na moral e na religião; assim, se formos coerentes, nossa ' visão sobre este assunto deve corresponder à nossa visão de Deus, do seu governo moral e de toda a doutrina prática da moral e da religião. Isto é muito óbvio para requerer prova. A questão da capacidade tem sido muito debatida. Sobre esta discussão, considerarei o ancião, presidente Edwards, como representante da visão calvinista comum sobre o assunto, porque ele o expôs com mais clareza do que qualquer outro autor calvinista que conheci. Por conseguinte, quando falo da doutrina edwardiana da capacidade e incapacidade, você me entenderá que trato da visão comum de escritores teológicos calvinistas, conforme exposta, resumida e defendida por Edwards. Na discussão deste assunto me esforçarei em mostrar:

 

A noção do presidente Edwards sobre a capacidade natural.

Edwards considera a liberdade e a capacidade idênticas. Para ele, a liberdade consiste no poder, oportunidade ou vantagem que qualquer pessoa tem em fazer o que lhe agrada. "Ou, em outras palavras, seu ser é livre de obstáculo ou impedimento no modo de fazer ou de se conduzir em qualquer ponto particular como lhe aprouver." Works, volume 2, página 38.

Novamente, na página 39, Edwards escreve: "Mais uma coisa devo observar concernente ao que é vulgarmente chamado de liberdade, isto é, aquele poder e oportunidade de o indivíduo fazer e se conduzir como lhe aprouver, ou de acordo com a sua escolha; isso é tudo o que se quer dizer, sem considerar no significado da palavra qualquer coisa a ver com a causa daquela escolha; ou não atentando de jeito nenhum como a pessoa veio a ter tal volição. Quer tenha sido causada por algum motivo externo ou preconceito habitual interno; quer tenha sido determinada por alguma volição interna antecedente ou se aconteceu sem nenhuma causa; quer tenha sido necessariamente ligada a algo precedente ou não, e não haja nada que dificulte a busca e o exercício dessa vontade, o homem é perfeitamente livre, de acordo com a noção primária e comum de liberdade". No parágrafo anterior, Edwards afirma: "Há duas coisas contrárias ao que é chamado de liberdade no discurso comum. Uma é o constrangimento, isto é, o ser necessitado de fazer uma coisa contrária à sua vontade; a outra é a restrição, que é o ser obstaculizado, não tendo o poder de fazer de acordo com a sua vontade".

O poder, a capacidade e a liberdade de fazer conforme a vontade pessoal são sinônimos para Edwards. As citações precedentes, com muitas passagens semelhantes que poderiam ser citadas do mesmo autor, mostram que a liberdade natural, ou a capacidade natural, segundo ele, consiste na ligação natural e estabelecida entre a volição e seus efeitos. Assim, ele declara em outro lugar: "Diz-se com exatidão que os homens são capazes de fazer o que podem fazer, se o quiserem". Sua definição de capacidade natural, ou liberdade natural, como a identifica com freqüência, exclui completamente o poder de querer e inclui apenas o poder ou a capacidade de exercer nossas volições. Portanto, é evidente que a capacidade natural, de acordo com Edwards, respeita somente a ação externa e nada tem a ver com a vontade. Quando não há restrição ou impedimento à execução da vontade, quando não há nada interposto para perturbar e prevenir o resultado natural e estabelecido de nossas volições, há, de acordo com esta escola, capacidade natural. Deve ser entendido com clareza que Edwards e os de sua corrente asseveram que as escolhas, as volições e todos os atos da vontade são determinados, não pelo poder soberano do agente, mas são causados pelo motivo objetivo, e que há a mesma ligação ou uma ligação certa e inevitável entre o motivo e a escolha, como entre qualquer causa física e seu efeito: "A diferença está", segundo Edwards, "não na natureza da ligação, mas nas condições ligadas". Conseqüentemente, de acordo com essa visão, a liberdade ou capacidade natural não pode consistir no poder da vontade ou da escolha, mas sim no poder de executar nossas escolhas ou volições. Por conseguinte, para esta classe de filósofos, a agência livre ou moral consiste no poder de fazer conforme a pessoa quer, ou no poder de a pessoa executar os seus propósitos, escolhas ou volições. Que esta se trata de definição fundamentalmente falsa da liberdade ou capacidade natural e da agência livre ou moral, veremos no seu devido tempo. Também está claro que a capacidade ou liberdade natural de Edwards e sua escola não tem nada a ver com a moralidade ou a imoralidade. O pecado e a santidade, como vimos em aula anterior, são apenas atributos dos atos da vontade. Mas esta capacidade natural respeita, como já foi dito, apenas a ação externa ou muscular. Que isto fique bem claro em nossa mente à medida que prosseguimos.

 

Esta capacidade natural não é absolutamente capacidade.

Sabemos pela consciência que a vontade é a faculdade executiva, e que não podemos fazer absolutamente nada sem a vontade. O poder ou capacidade da vontade são absolutamente indispensáveis para a nossa ação. Se não temos o poder de querer, não temos o poder ou capacidade de fazer qualquer coisa. Todo poder ou capacidade de fazer reside na vontade, e o poder de querer é a condição necessária da capacidade de fazer. Na moral e na religião, como veremos mais adiante, o querer é o fazer. O poder de querer é a condição da obrigação de fazer. Ouçamos o próprio Edwards sobre este assunto. No volume 2, página 156, declara: "A vontade em si, e não só as ações que são os efeitos da vontade, é o apropriado objeto do preceito ou mandamento. Quer dizer, tal estado ou tais atos da vontade dos homens lhes são, em muitos casos, apropriadamente exigidos pelos mandamentos, e não somente as alterações no estado dos seus corpos ou mentes que são as conseqüências da volição. Isto é bastante óbvio, pois só a mente é adequada e diretamente o sujeito dos preceitos ou mandamentos; só ela é capaz de receber ou perceber mandamentos. Os movimentos do corpo são apenas questões do mandamento à medida que são sujeitos à alma e ligados aos seus atos. Mas a alma não tem outra faculdade por meio da qual possa, no sentido mais direto e formal, consentir, entregar-se ou obedecer a qualquer mandamento, senão a faculdade da vontade; e é somente por esta faculdade que a alma pode diretamente desobedecer ou recusar complacência, pois as próprias noções de consentir, entregar-se, aceitar, concordar, recusar, rejeitar etc, são, de acordo com o significado dos termos, nada mais do que certos atos da vontade". Assim, vemos que o próprio Edwards afirmava que a vontade é a faculdade executiva e que a alma não pode fazer nada salvo quando quer fazê-lo, e que, por isto, um mandamento a fazer é estritamente um mandamento a querer. Logo, vemos que Edwards também afirmou que o querer e o fazer são idênticos, tanto quanto a obrigação moral, a moral e a religião estão relacionadas. Por ora, é bastante dizer, quer Edwards, quer outra pessoa já o tenha afirmado ou não, que é pura e absurda tolice falar de uma capacidade de fazer quando não há capacidade de querer. Todo o indivíduo sabe com certeza intuitiva que não tem capacidade de fazer o que está incapacitado de querer fazer. Portanto, é a mais vil loucura falar de uma capacidade natural de fazer qualquer coisa -- o que quer que seja -- quando excluímos desta capacidade o poder de querer. Se não há capacidade de querer, não há e não pode haver capacidade de fazer; portanto, a capacidade natural da escola edwardiana não é capacidade de jeito nenhum. Espero ter ficado claramente entendido que a capacidade de querer não entrou na idéia e definição de Edwards sobre a capacidade ou liberdade natural, não importa o que tenha afirmado a respeito da capacidade do homem de fazer. Mas, de acordo com ele, a capacidade natural só respeita a ligação estabelecida por uma lei da natureza entre a volição e seus resultados, excluindo completamente a investigação sobre como a volição vem a existir. Este ponto as citações precedentes demonstram com abundância. Portanto, que esteja bem claro que a capacidade natural edwardiana não é absolutamente capacidade e nada mais é que um nome vazio, uma ficção metafísico-teológica.

 

O que constitui a incapacidade natural de acordo com esta escola.

No volume 2, página 35, Edwards afirma: "Dizem-nos que somos naturalmente incapazes de fazer uma coisa quando não podemos fazê-la, se o quisermos, porque o que é comumente chamado de natureza não o permite; ou por causa de algum defeito que impede ou obsta o que é extrínseco à vontade; ou na faculdade da compreensão, na constituição do corpo ou objetos externos". Esta citação, junto com o muito que possa ser citado desse autor para o mesmo efeito, mostra que a incapacidade natural, de acordo com ele, consiste em um desejo de poder executar nossas volições. Na ausência de poder fazer como queremos, se a vontade existe e o efeito não se segue, é só porque somos incapazes de fazer conforme nosso querer, e esta é a incapacidade natural. Somos naturalmente incapazes, segundo ele, de fazer o que não se segue por uma lei natural de nossas volições. Se eu quero mover meu braço e os músculos não obedecem à volição, estou naturalmente incapaz de mover meu braço. Assim é com qualquer outra coisa. Que fique bem claro que a incapacidade natural, como também a capacidade natural, só respeita e pertence à ação ou ao fazer externo. Não tem nada a ver com a capacidade de querer. Não importa o que Edwards tenha afirmado com relação à capacidade de querer, desejo que fique claramente entendido que a sua incapacidade natural não tem nada a ver com a vontade, mas só com os efeitos da vontade, o que será demonstrado em seu devido tempo. Quando o efeito natural da vontade não segue a volição, sua causa, aqui jaz uma devida incapacidade natural.

 

Esta incapacidade natural não é absolutamente incapacidade.

Com isto quer-se dizer que, na medida que a moral e a religião estejam relacionadas, o querer é o fazer, e portanto onde de fato acontece o querer, a coisa real exigida ou proibida já foi feita. Ouçamos Edwards sobre este assunto. No volume 2, página 164, diz: "Se a vontade concorda inteiramente e, de acordo com as leis da natureza, o efeito proposto não prova estar ligado à volição, o homem está perfeitamente desculpado; ele tem uma incapacidade natural de fazer a coisa requerida. Pois a vontade em si, como já foi observado, é tudo o que pode ser direta e imediatamente exigido pela ordem, e as outras coisas só indiretamente, conforme estão ligadas à vontade. Então, se há uma plena complacência da vontade, a pessoa cumpriu o seu dever, e se as outras coisas não provam estar ligadas à volição, isto não lhe é criminalmente devido". Aqui, então, está claro que as noções edwardianas da capacidade e incapacidade natural não têm qualquer ligação com a lei moral ou o governo moral e, é óbvio, com a moral e a religião. Que a Bíblia em todos os lugares considera a vontade como a ação, está bastante evidente. Tanto no que respeita ao pecado e à santidade, se ocorre o ato exigido ou proibido da vontade, a lei moral e o legislador consideram a ação como tendo sido feita, ou o pecado cometido, qualquer que seja o obstáculo que tenha impedido a ocorrência do efeito natural. Que aqui fique bem entendido e lembrado que a incapacidade natural de Edwards, na medida que a moral e a religião estejam relacionadas, não é absolutamente incapacidade. Uma incapacidade de executar nossas volições não é de modo algum uma incapacidade de fazer nosso dever completo, visto que a obrigação moral e -- é claro -- o dever só respeitam estritamente os atos da vontade. Uma incapacidade natural tem de consistir, como veremos, em uma incapacidade de querer. E verdadeiramente espantoso que Edwards pudesse ter escrito o parágrafo citado e outros com o mesmo efeito, sem perceber a falácia e o absurdo da sua especulação -- sem ver que a capacidade ou incapacidade sobre as quais estava escrevendo não tinha nenhuma ligação com a moral ou a religião. Como ele pôde ter insistido tanto em dizer que a obrigação moral respeita somente os atos da vontade e, não obstante, passar tanto tempo escrevendo sobre uma capacidade ou incapacidade de obedecer à obrigação moral que respeita exclusivamente a ação externa? Isto, à primeira vista, era completamente irrelevante ao assunto da moral e da religião, assuntos sobre os quais ele confessadamente estava escrevendo.

 

A capacidade natural é idêntica à liberdade da vontade.

Foi, tenho certeza, demonstrado com riqueza em aula anterior e admitido e insistido por Edwards:

1. Que a obrigação moral respeita estritamente só os atos da vontade.

2. Que o todo da obrigação moral se soluciona numa obrigação em ser desinteressadamente benevolente, isto é, em querer o mais alto bem do ser humano para o próprio bem de quem o deseja.

3. Que a vontade é o fazer exigido pelo verdadeiro espírito da lei moral. A capacidade de querer conforme a lei moral tem de ser a capacidade natural de obedecer a Deus. Mas:

4. Esta é e tem de ser a única liberdade adequada da vontade, na medida que a moral e a religião e a lei moral estão relacionadas. Isto tem de constituir a verdadeira liberdade da vontade que consiste na capacidade ou poder de querer, quer de acordo, quer em oposição às exigências da lei moral. Em outras palavras, a verdadeira liberdade da vontade tem de consistir no poder ou capacidade de querer em toda instância, quer de acordo, quer em oposição à obrigação moral. Observe que a obrigação moral respeita os atos da vontade. Que liberdade da vontade pode haver em relação à obrigação moral, a menos que a vontade ou o agente tenha poder ou capacidade de agir em conformidade com a obrigação moral? Falar de um ser humano livre para querer, ou tendo a liberdade de querer, quando ele não tem o poder ou capacidade para tal, é pura tolice. O próprio Edwards assevera que a capacidade de fazer é indispensável para a liberdade de fazer. Mas se a capacidade de fazer é uma condição sine qua non da liberdade de fazer, o mesmo não deveria ser verdade quanto à vontade? Ou seja, a capacidade da vontade não tem de ser essencial para a liberdade da vontade? A capacidade natural e a liberdade natural da vontade devem ser, então, idênticas. Que isto seja lembrado distintamente, visto que muitos têm inspecionado a doutrina da capacidade natural de obedecer a Deus, os quais, não obstante, têm sido grandes defensores da liberdade da vontade. Nisto eles são muito incoerentes. Esta capacidade é chamada de capacidade natural, porque pertence ao homem como agente moral, em tal sentido que, sem isso, ele não pode ser um adequado sujeito de comando, recompensa ou castigo. Quer dizer, sem esta liberdade ou capacidade não pode ser agente moral e apropriado sujeito de governo moral. Portanto, tem de possuir este poder como essencial à sua natureza, ou ser capaz de se aproveitar do poder da vontade em toda instância, conforme a obrigação moral. O que quer que ele possa fazer, só o faz querendo; então ou ele tem de possuir o poder em si mesmo para diretamente querer como Deus ordena, ou tem de ser capaz de, ao querê-lo, aproveitar-se do poder de querer fazer. Se por natureza ele tem poder para querer diretamente como Deus exige, ou ao querer se aproveita do poder para assim querer, é naturalmente livre e capaz de obedecer os mandamentos de Deus. Portanto, que fique bem claro que a capacidade natural sobre a qual tanto foi dito não é nada mais nada menos que a liberdade da vontade de um agente moral. Ninguém sabe o que ele diz ou do que ele afirma, que apóie um e negue o outro, pois eles são verdadeira e apropriadamente idênticos.

 

A vontade humana é livre, então os homens têm o poder ou a capacidade de cumprir todo o seu dever.

1. O governo moral de Deus presume em todos os lugares e implica a liberdade da vontade humana e a capacidade natural dos homens em obedecer a Deus. Cada mandamento, cada ameaça, cada advertência e denúncia na Bíblia implica e presume isto. Nem a Bíblia viola a inteligência humana com esta pressuposição, pois:

2. A mente presume necessariamente a liberdade da vontade humana como uma verdade primeira. Verdades primeiras, seja lembrado, são aquelas necessariamente presumidas por todo agente moral. Elas são sempre e necessariamente presumidas por uma lei da inteligência, embora de forma rara sejam os objetos diretos do pensamento ou atenção. É uma lei universal da inteligência presumir as verdades da causalidade, a existência e a infinitude do espaço, a existência e a infinitude da duração e muitas outras verdades. Estas são pressuposições que todo agente moral sempre e necessariamente traz consigo e, quer estas coisas sejam questões de atenção, quer não. E mesmo que negue qualquer uma ou todas estas verdades primeiras, ainda as conhece como verdades e não pode senão presumir a verdade delas em todos os seus julgamentos práticos. Assim, se alguém nega a lei e a doutrina da causalidade, como alguns teoricamente o fazem, ele sabe e não pode senão saber -- ele presume e não pode senão presumir -- sua verdade em todos os momentos. Sem esta pressuposição não pode senão pretender, ou pensar em fazer ou em alguém fazer o que quer que seja. Mas numa grande parte do seu tempo não pode e não torna esta lei um objeto distinto do pensamento ou atenção. Nem está diretamente consciente da pressuposição de que há tal lei. O agente moral sempre age na pressuposição e em grande parte do seu tempo isto lhe é insensível. A sua atividade inteira é só o exercício de sua própria causalidade e um reconhecimento prático da verdade que em teoria pode negar. Assim, nem mais nem menos é com a liberdade da vontade e com a capacidade natural. Se não presumíssemos nossa própria liberdade e capacidade, nunca pensaríamos em tentar fazer algo. Não pensaríamos tanto quanto na obrigação moral, quer diga respeito a nós, quer a outros, a menos que presumíssemos a liberdade da vontade humana. Em todos os nossos julgamentos que dizem respeito ao nosso caráter moral e ao dos outros, presumimos sempre e necessariamente a liberdade da vontade humana ou a capacidade natural de obedecer a Deus. Embora possamos não estar distintamente conscientes desta pressuposição, contudo em situações raras tornamos a liberdade da vontade humana o assunto do pensamento ou atenção diretos; embora possamos negar sua realidade e nos esforçar de forma tenaz para sustentar o oposto, nós, não obstante, nesta mesma negação e esforço estrênuo, presumimos que somos livres. Esta verdade nunca foi e nunca pode ser rejeitada em nossos julgamentos práticos. Todos os homens a presumem. Todos os homens têm de presumi-la. Sempre que escolhem uma direção, eles sempre presumem, quer estejam conscientes da pressuposição, quer não, e não podem senão presumir que têm o poder para ir na direção oposta. Se eles não o presumissem, tal coisa como a eleição entre dois caminhos ou objetos, não seria e não poderia ser senão um pensamento. As próprias idéias de certo e errado, do caráter meritório e da culpabilidade dos seres humanos implicam a pressuposição por parte daqueles que têm estas idéias da liberdade universal da vontade humana ou da capacidade natural dos homens como agentes morais em obedecer a Deus. Não houvesse esta pressuposição na mente humana, seria impossível por sua própria natureza, e mesmo mediante as leis, que se afirmassem a obrigação moral, o certo ou o errado, o caráter meritório ou a culpabilidade dos homens. Eu sei que os filósofos e teólogos têm, na teoria, negado a doutrina da capacidade ou liberdade natural, no sentido em que a define; sei também que com todas as suas teorizações eles presumiram de fato, em comum com todos os outros homens, que o ser humano é livre no sentido de que tem liberdade ou poder para querer como Deus ordena. Sei, senão por esta pressuposição, que a mente humana não poderia afirmar o caráter meritório ou a culpabilidade, o certo ou o errado, mais do que poderia afirmar dos movimentos de um moinho de vento. Os homens muitas vezes pressupõem sem estar cônscios disso, afirmam o certo e o errado da vontade humana sem ver e entender os termos desta afirmação. Mas o fato é que em todos os casos a pressuposição se tem fixado de forma profunda na mente como uma verdade primeira, que os homens são livres no sentido de serem naturalmente capazes de obedecer a Deus; esta pressuposição é uma condição necessária da afirmação de que o caráter moral pertence ao homem.

 

O que constitui a incapacidade moral, segundo Edwards e os que estão de acordo com ele.

Em primeiro lugar, examino em ordem a visão da escola edwardiana da incapacidade moral, porque proveniente dessa visão averiguaremos com mais clareza qual é a visão que sustentam sobre a capacidade moral. Edwards considera a capacidade e a incapacidade morais idênticas à necessidade moral. Concernente à necessidade moral, assim afirma no volume 2, páginas 32 e 33: "E às vezes por necessidade moral se quer dizer a necessidade de ligação e a conseqüência que surge de tais causas morais como a força da inclinação ou os motivos, e a ligação que há em muitos casos entre estes e certas volições e ações. E neste sentido que usarei a frase necessidade moral no discurso a seguir. Por necessidade natural, conforme aplicado aos homens, quero dizer aquela necessidade em que os homens estão, sob a força de causas naturais, conforme distinguidas do que é chamado de causas morais, como os hábitos e disposições do coração, e os motivos e induzimentos morais. Assim, os homens colocados em certas circunstâncias são os sujeitos de sensações particulares por necessidade. Eles sentem dor quando seus corpos são feridos, vêem os objetos que lhes são apresentados sob uma luz clara quando os olhos estão abertos; assim consentem à verdade de certas proposições logo que as condições são compreendidas; assim como dois mais dois são quatro, preto não é branco, duas linhas paralelas nunca podem cruzar-se; assim por uma necessidade natural os corpos dos homens movem-se para baixo quando não há nada que os apóie. Mas aqui podem ser notadas várias coisas relativas a estes dois tipos de necessidade. 1. A necessidade moral pode ser tão absoluta quanto a necessidade natural. Quer dizer, o efeito pode estar tão perfeitamente ligado à sua causa moral, quanto o efeito natural está à sua causa natural. Quer a vontade seja em todo caso necessariamente determinada pelo motivo mais forte, quer a vontade faça alguma resistência a tal motivo, quer possa opor-se à inclinação presente mais forte ou não; se esse assunto for controvertido, suponho que ninguém negará, mas que, em alguns casos, um preconceito e inclinação prévios ou o motivo apresentado podem ser tão poderosos que o ato da vontade pode estar certa e indissoluvelmente ligado a isso. Quando os motivos ou o preconceito prévio são muito fortes, tudo vai admitir que há alguma dificuldade indo contra eles. E se eles fossem mais fortes, a dificuldade seria ainda maior. E se mais força fosse acrescentada à sua força até certo ponto, poderia tornar a dificuldade tão grande que seria completamente impossível sobrepujá-la, por esta óbvia razão, porque qualquer que seja o poder que os homens suponham ter para sobrepujar as dificuldades, esse poder não é infinito e, assim, não vai além de certos limites. Um homem pode sobrepujar dez graus de dificuldade deste tipo com vinte graus de força, porque os graus de força são em maior número do que os graus de dificuldade. Entretanto, se a dificuldade for aumentada para trinta, ou cem, ou para mil graus, e sua força também não for aumentada, esta será completamente insuficiente para sobrepujar a dificuldade. Como então deve ser admitido que possa haver tal coisa como uma ligação segura e perfeita entre as causas morais e os efeitos; portanto, é só isto o que chamo de necessidade moral". Na página 35, Edwards declara: "O que foi dito da necessidade natural e moral pode servir para explicar o que se quer dizer por incapacidade natural e moral. E-nos dito que somos naturalmente incapazes de fazer uma coisa quando não podemos fazê-la se o quisermos, por causa de algum defeito que impede ou um obstáculo que é extrínseco à vontade, quer na faculdade da compreensão, quer na constituição do corpo, quer dos objetos externos. A incapacidade moral não consiste em quaisquer destas coisas, mas no desejo da inclinação, no desejo de motivos suficientes em vista para induzir e estimular o ato da vontade ou na força dos motivos aparentes para o contrário. Isto pode ser resumido em uma palavra: a incapacidade moral consiste na oposição ou no desejo da inclinação. Pois quando uma pessoa é incapaz de querer ou escolher tal coisa, por um defeito de motivos ou pela prevalência de motivos contrários, é a mesma coisa que ele ser incapaz mediante o desejo de uma inclinação, ou a prevalência de uma inclinação contrária em tais circunstâncias e sob a influência de tal visão".

Destas citações e de muitas outras que poderiam ser mencionadas com o mesmo propósito, está claro que Edwards, como representante de sua escola, assevera que a incapacidade moral consiste, ou numa escolha ou atitude existente da vontade oposta ao que é requerido pela lei de Deus, cuja inclinação ou escolha é necessitada pelos motivos devidos à mente, ou na ausência de tais motivos como são necessários para causar ou necessitar o estado de escolha requerido pela lei moral, ou superar uma escolha adversária. De fato, ele afirma que estes dois são idênticos. Observe que suas afirmações são: "Isto pode ser resumido em uma palavra: a incapacidade moral consiste na oposição ou no desejo da inclinação. Pois quando uma pessoa é incapaz de querer ou escolher tal coisa, por um defeito de motivos ou prevalência de motivos contrários, é a mesma coisa ele ser incapaz mediante o desejo de uma inclinação, ou a prevalência de uma inclinação contrária em tais circunstâncias e sob a influência de tal visão", quer dizer, na presença de tais motivos. Se há uma inclinação presente contrária que prevalece, é, de acordo com ele: 1. Porque estão presentes certas razões que necessitam desta inclinação contrária; e 2. Porque não há motivos suficientes presentes para a mente superar estes motivos e inclinação adversários, e necessitar a vontade para determinar ou escolher na direção da lei de Deus. Por inclinação, Edwards quer dizer escolha ou volição, como é evidente de forma abundante desde o princípio de nossa aula. Isto ninguém que esteja bem familiarizado com os seus escritos negará. Era o objetivo do tratado, do qual as citações acima foram feitas, sustentar que a escolha invariavelmente é tanto quanto o maior bom aparente é. E pelo maior bom aparente ele quer dizer uma sensação do mais agradável. Com isso Edwards propõe, como disse, que a sensação do mais agradável e a escolha ou a volição são idênticas. No volume 2, página 20, afirma: "E, portanto, deve ser verdade em algum sentido que a vontade sempre é tanto quanto o maior bom aparente é. Deve ser observado em que sentido uso o termo 'bom', isto é, a partir da mesma importância com o agradável. Parecer bom à mente, como uso a frase, é o mesmo que parecer agradável ou parecer aprazível à mente". Outra vez, nas páginas 21 e 22, diz: "Escolhi antes me expressar assim, que a vontade sempre é tanto quanto o maior bom aparente é, ou tanto quanto o que parece mais agradável, do que dizer que a vontade é determinada pelo maior bom aparente, ou pelo que parece muito agradável, porque uma aparência muito agradável à mente e a preferência da mente raramente parecem distintos. Se fosse insistido em seguir o rígido decoro do discurso, poderia ser dito com mais propriedade que a ação voluntária, que é a conseqüência imediata da escolha da mente, é determinada pelo que parece ser mais agradável do que a própria escolha". Assim parece que a sensação do mais agradável e a escolha ou a volição, de acordo com Edwards, são as mesmas coisas. Com efeito, Edwards ao longo de seu texto confunde desejo e volição, tornando-as a mesma coisa. Edwards considerou a mente como possuidora somente de duas faculdades primárias -- a vontade e o entendimento. Ele confundiu todos os estados da sensibilidade com os atos da vontade. O desejo mais forte, com ele, sempre é idêntico à volição ou escolha, e não meramente o que determina a escolha. Quando há um querer da inclinação ou desejo, ou a sensação do mais agradável, há uma incapacidade moral de acordo com a filosofia edwardiana. Este querer do mais forte desejo, inclinação ou sensação do mais agradável sempre é devido: 1. À presença de tais motivos no que diz respeito a necessitar um desejo oposto, escolha etc; e 2. Ao desejo de tais motivos objetivos, conforme despertará este desejo requerido, ou necessitará esta inclinação ou sensação do mais agradável. Em outras palavras, quando a volição ou a escolha, em consistência com a lei de Deus, não existe, é: 1. Porque uma escolha oposta existe e é necessitada pela presença de algum motivo; e 2. Pelo desejo de motivos objetivos suficientemente fortes para necessitar a escolha ou volição requeridas. Que esteja bem entendido e seja lembrado que Edwards sustentou que o motivo, e não o agente, é a causa de todas as ações da vontade. A vontade, de acordo com ele, sempre é determinada em sua escolha pelos motivos na mesma medida que os efeitos físicos são produzidos por suas causas. A diferença de acordo com Edwards na ligação das causas e efeitos morais e físicos "não se acha na natureza da ligação, mas nos termos relacionados".

"Que todo ato da vontade tem alguma causa e, por conseguinte (pelo que já foi demonstrado), tem uma ligação necessária à sua causa e, assim, é necessário por uma necessidade de ligação e conseqüência, é evidente por isto: que todo e qualquer ato da vontade é estimulado por algum motivo, o que é óbvio; porque, se a mente, desejando segundo o modo como o faz, não é estimulada por algum motivo ou induzimento, então não tem fim para o qual se propõe ou procura ao fazê-lo; não objetiva nada e não busca nada. E se não busca nada, então não persegue nada ou mostra qualquer inclinação ou preferência por qualquer coisa; o que leva o assunto a uma contradição, porque a mente querer algo e perseguir algo por um ato de preferência e inclinação são a mesma coisa.

"Mas se todo ato da vontade for estimulado por um motivo, então esse motivo é a causa do ato. Se os atos da vontade são estimulados pelos motivos, então os motivos são as causas de serem eles estimulados; ou, o que é a mesma coisa, a causa da existência deles. E, neste caso, a existência dos atos da vontade é propriamente o efeito dos seus motivos. Os motivos não fazem nada, na qualidade de motivos ou induzimentos, senão por sua influência, e tanto quanto é feito pela influência deles é o seu efeito. Pois esta é a noção de um efeito, algo que é trazido para passar pela influência de qualquer outra coisa.

"E se as volições são propriamente os efeitos dos seus motivos, então elas estão necessariamente ligadas aos seus motivos; cada efeito e evento estando, como foi mostrado antes, necessariamente ligado ao que está na própria base e razão de sua existência. Assim, está claro que a volição é necessária e não é proveniente de qualquer poder auto-determinante na vontade." Volume 2, páginas 86 e 87. A incapacidade moral, então, de acordo com esta escola, consiste em um querer da inclinação, desejo ou sensação do mais agradável, ou a força de um desejo oposto ou sensação do mais agradável. Este querer da inclinação etc, ou esta inclinação adversária etc, é idêntico a uma escolha ou volição adversária. Esta escolha ou inclinação adversária, ou este desejo da escolha exigida, inclinação ou sensação do mais agradável é devido, de acordo com Edwards: 1. A presença de tais motivos no que tange a necessitar a escolha adversária; e 2. À ausência de motivos suficientes para causá-los ou necessitá-los. Aqui temos a filosofia desta escola. A vontade ou o agente é incapaz de escolher como Deus exige em todos os casos, quando: 1. Há tais motivos presentes no que toca a necessitar uma escolha oposta; e, 2. Quando não há tal motivo ou tais motivos na visão da mente no que respeita a determinar ou necessitar a escolha ou volição exigida, quer dizer, para despertar um desejo ou para criar uma inclinação ou sensação do agradável mais forte do que qualquer desejo, inclinação ou sensação de agradável existente e adversário. Esta é a incapacidade moral dos edwardianos.

 

A incapacidade moral da escola edwardiana em obedecer a Deus consiste em real desobediência e numa incapacidade natural em obedecer.

1. Se entendemos que os edwardianos querem dizer que a incapacidade moral consiste:

(1) Na presença de tais motivos no que tange a necessitar uma escolha oposta; e:

(2) No desejo ou ausência de motivos suficientes para necessitar a escolha ou volição, ou, o que é a mesma coisa, uma sensação do mais agradável, ou uma inclinação, então a incapacidade moral deles é uma incapacidade natural. Edwards declara que "a chama de incapacidade moral, porque é uma incapacidade da vontade". Mas, com sua própria demonstração, a vontade é a única faculdade executiva. Não importa o que um homem faça, ele só o pode realizar querendo, e tudo o que não pode realizar querendo não pode realizar de jeito nenhum. Uma incapacidade de querer deve ser então uma incapacidade natural. Somos, por natureza, incapazes de fazer o que somos incapazes de querer fazer. Além disso, de acordo com Edwards, a obrigação moral respeita estritamente só os atos da vontade, e o querer é o fazer o que é proibido ou exigido pela lei moral. Então, ser incapaz de querer é ser incapaz de fazer. Ser incapaz de querer como Deus exige é ser incapaz de fazer o que Ele exige, e isto seguramente é uma apropriada e a única apropriada incapacidade natural.

2. Mas se desejamos entender que esta escola, como sustentadora daquela incapacidade moral em obedecer a Deus, consiste em um desejo da inclinação, escolha, desejo ou sensação do mais agradável que Deus exige, ou numa inclinação ou existente escolha, volição ou sensação do mais agradável que é oposto à exigência de Deus, isto com certeza é realmente idêntico à desobediência, e a sua incapacidade moral em obedecer consiste em desobediência. Pois, seja bem lembrado que Edwards assevera, como vimos, que a obediência e a desobediência, em verdade, só podem ser pressupostas dos atos da vontade. Se o requerido estado da vontade existe, há obediência. Se não existe, há desobediência. Então, por sua própria admissão e propriedade expressa, se por incapacidade moral devemos entender um estado da vontade não conformado, ou, o que é a mesma coisa, oposta à lei e vontade de Deus, esta incapacidade moral nada mais é que desobediência a Deus. Uma incapacidade moral em obedecer é idêntica à desobediência. Não é meramente a causa de desobediência futura ou presente, mas realmente constitui o todo da desobediência presente.

3. Mas suponha que entendamos que a incapacidade moral de Edwards consiste tanto no desejo de uma inclinação, escolha, volição etc, quanto na existência de um estado adversário da vontade, e também:

(1) Na presença de tais motivos no que tange a necessitar uma escolha oposta, e:

(2) No desejo de motivos suficientes para superar o estado adversário e necessitar a requerida escolha, volição etc, então a sua visão seria esta: a incapacidade moral em escolher como Deus ordena consiste no desejo desta escolha, ou na existência de uma escolha oposta, que quer da escolha ou, o que é a mesma coisa de acordo com ele, cuja escolha oposta é causada:

 

(a) Pela presença de tais motivos no que tange a necessitar a escolha oposta, e:

 

(b) Pela ausência de tais motivos conforme necessitaria a escolha exigida. Entendendo-o de qualquer modo que você queira, a incapacidade moral que Edwards sustenta é real desobediência e está no mais alto senso de uma incapacidade natural em obedecer. A causa da escolha ou volição que ele sempre busca, e pensa ou presume que encontra no motivo objetivo, e nunca de uma vez por todas a designa à soberania ou liberdade do agente. A escolha ou a volição é um evento e tem de ter alguma causa. Ele presume que o motivo objetivo era a causa, quando, como a consciência testemunha, o agente em si é a causa. Aqui está o grande erro de Edwards. Ele presumiu que nenhum agente, nem mesmo o próprio Deus, possui o poder de autodeterminação que a vontade de Deus e de todos os agentes morais é determinada, não por eles mesmos, mas por um motivo objetivo. Se eles vão em uma direção ou outra, não é por alguma autodeterminação livre e soberana devido aos motivos, mas porque os motivos ou induzimentos que se apresentam à mente inevitavelmente produzem ou necessitam a sensação do mais agradável, ou a escolha. Se isto não for fatalismo ou necessidade natural, então o que é?

 

Esta pretensa distinção entre a incapacidade natural e moral é absurda.

O que isto significa? Porque:

1. Esta incapacidade natural é uma incapacidade de fazer conforme queremos, ou executar nossas volições.

2. Esta incapacidade moral é uma incapacidade de querer.

3. Esta incapacidade moral é a única incapacidade natural que tem, ou pode ter, qualquer coisa a ver com dever, ou com a moral e a religião; ou, conforme foi mostrado:

4. Consiste na própria desobediência. A presente incapacidade moral em obedecer é idêntica à presente desobediência, com uma incapacidade natural em obedecer! E surpreendente ver o quão profunda e consideravelmente alguém pode se envolver em uma névoa metafísica e desnortear a si e aos seus leitores em tal medida, de modo que uma distinção absolutamente insensata passe na atual fraseologia, filosofia e teologia da igreja, e uma porção de dogmas teológicos seja construída na pressuposição de sua verdade. Esta distinção absurda esteve na boca da escola de teólogos edwardianos desde os dias de Edwards até a atualidade. Santos e pecadores foram desviados, e tenho de admitir, sofreram abuso por isto. Foi dito aos homens que eles são tão realmente incapazes de querer como Deus quer, quanto incapazes de se criarem a si mesmos; e quando se respondia que esta incapacidade desculpava o pecador, fomos diretamente silenciados com a afirmação de que esta é somente uma incapacidade moral, ou uma incapacidade de querer, e que, portanto, está muito longe de desculpar o pecador, que constitui a própria base, substância e inteireza de sua culpa. De fato! Os homens estão sob obrigação moral apenas para querer como Deus quer. Mas tal incapacidade de querer, consistindo na ausência de tais motivos no que tange a necessitar a escolha exigida, ou a presença de tais motivos no que respeita a necessitar uma escolha oposta, é uma incapacidade moral e realmente constitui o pecador digno de um "mui excelente peso eterno" de condenação! Ridículo! A Edwards eu respeito; as suas asneiras, lamento. Falo assim sobre este Tratado sobre a Vontade, porque, ainda que seja abundante de pressuposições injustificáveis, distinções sem diferença e sutilezas metafísicas, foi por muitos anos adotado como livro-texto de uma multidão dos que são chamados teólogos calvinistas. Tem desnorteado a cabeça e grandemente envergonhado o coração e a ação da igreja de Deus. É tempo, mais do que tempo, de que seus erros sejam expostos e, assim, explodidos, de modo que tal fraseologia seja abandonada e as idéias que estas palavras representam cessem de ser alimentadas.

 

O que constitui a capacidade moral de acordo com esta escola?

É, evidentemente, o oposto da incapacidade moral. A capacidade moral, de acordo com esta escola, consiste na vontade com a sua causa. Quer dizer, a capacidade moral em obedecer a Deus consiste naquela inclinação, naquele desejo, escolha, volição ou sensação do mais agradável que Deus exige junto com a sua causa. Ou consiste na presença de tais motivos conforme realmente necessitar o supracitado estado ou determinação da vontade. Ou, mais estritamente, consiste neste estado causado pela presença destes motivos. Esta declaração da visão edwardiana é a mais exata que posso fazer. De acordo com ela, um homem é moralmente capaz de agir conforme age e é necessitado a agir, ele é moralmente capaz de querer conforme realmente quer e conforme não pode deixar de querer. Ele é moralmente capaz de querer desta maneira, simplesmente e apenas porque é dessa maneira causado a querer pela presença de tais motivos conforme são, de acordo com essa corrente, "indissoluvelmente ligados" com tal querer por uma lei da natureza e necessidade. Mas isto nos leva à conclusão:

 

A capacidade moral da escola edwardiana em obedecer a Deus nada mais é do que real obediência e uma incapacidade natural em desobedecer.

Falando estritamente, esta capacidade moral inclui o estado da vontade exigido pela lei de Deus, e também a causa desse estado, a saber, a presença de tais motivos conforme necessitar a inclinação, escolha, volição ou sensação do mais agradável, que Deus exige. Assim, o agente é capaz de querer, porque é assim causado a querer. Ou falando mais estritamente, sua capacidade e inclinação de querer são idênticos. Ou ainda de forma mais acurada, de acordo com Edwards, sua capacidade moral de querer e o seu querer, e a presença dos motivos que causam este querer são idênticos. Esta é uma descoberta sublime em filosofia; uma especulação muito transcendental! Eu não trataria estas noções como ridículas, não fossem elas verdadeiramente assim, ou se eu as tratasse de outra maneira, ainda assim as trataria conforme a justiça. Se, onde a teoria declarada parece ridícula, a falta não está em mim, mas na própria teoria. Sei que é tentador a você, como o é para mim, ligar qualquer coisa ridícula com um nome tão grande e respeitado como o do presidente Edwards. Mas se o seu erro crasso acarretou perplexidade e engano na igreja, com certeza sua grande e boa alma agradeceria a mão que riscasse tal erro debaixo do céu.

Portanto, quando examinado de perto, este longo, estabelecido e venerado banco de nevoeiro desaparece, e esta afamada distinção entre a capacidade e a incapacidade moral e natural acha-se ser uma coisa insignificante (Is 29.21).

 

Declararei o que considero serem os erros fundamentais de Edwards e de sua escola sobre o tema da capacidade.

1. Ele negou que os agentes morais sejam as causas de suas próprias ações. Ele começou, é claro, com a justa pressuposição de que todo evento é um efeito e tem de ter uma causa. As escolhas e volições dos agentes morais são efeitos de alguma causa. Que causa? Ele presumiu que todo ato da vontade tem de ter sido causado por um ato precedente, ou pelo motivo objetivo. Pelo reductio ad absurdum, facilmente demonstrou o extremo absurdo da primeira hipótese e, por conseguinte, presumiu a verdade da última. Mas como Edwards sabe que o poder soberano do agente não é a causa? Seu argumento contra a autodeterminação não significa nada, pois é, de fato, apenas uma petição de princípio. Se estamos conscientes de algo, estamos da afirmação de que originamos nossas próprias escolhas e volições. Edwards, tão realmente quanto outro homem, acreditou em originar e ser a causa formal de suas próprias volições. Em seu julgamento prático presumiu sua própria causalidade e a causalidade formal de todos os agentes morais, ou ele nunca poderia ter tido tanto quanto uma concepção da agência e responsabilidade moral. Mas, teoricamente, adotou o erro capital de negar a causalidade formal dos agentes morais. Este erro é fundamental. Toda definição de um agente moral que nega ou negligencia sua causalidade formal é radicalmente defeituosa. Aparta-se da definição o próprio elemento que necessariamente afirmamos ser essencial à liberdade e responsabilidade. Ao negar, como ele o fez, a causalidade formal dos agentes morais, foi levado a dar uma falsa definição da agência livre, como foi demonstrado. Edwards considerou em alta conta as escolhas e volições dos agentes morais como efeitos, mas ele olha na direção errada para a causa. Em vez de atender à afirmação de sua própria mente de que a causalidade, ou o poder da autodeterminação, é um sine qua non da agência moral, ele presumiu, em teoria, o oposto direto, e procurou a causa da escolha e volição do agente, no motivo objetivo; de fato, negando assim a validez do testemunho da pura razão e reduzindo os agentes morais a meras máquinas. Não admira que erro tão capital e defendido com tanta habilidade levasse um dos seus próprios filhos ao ceticismo. Mas a devoção do presidente foi mais forte do que até a sua lógica poderosa. Presumindo uma falsa premissa principal, sua lógica direta o levou ao dogma de uma necessidade universal. Mas sua razão bem-desenvolvida e profunda devoção de coração controlaram o seu julgamento prático, de forma que alguns têm praticamente sustentado as doutrinas da responsabilidade e retribuição com um entendimento mais firme.

2. Edwards adotou a filosofia lockeana. Ele considerou a mente como possuidora somente de duas faculdades primárias, o entendimento e a vontade. Reputou voluntários todos os desejos, emoções, afetos, apetites e paixões e constituídos realmente em atos de vontade. Esta confusão dos estados da sensibilidade com os atos da vontade, eu considero outro erro fundamental de todo o seu sistema de filosofia, na medida que respeita a liberdade da vontade, ou a doutrina da capacidade. Estando cônscio de que as emoções -- que

Edwards chama de afetos -- os desejos, os apetites e paixões estão correlacionados com os seus objetos apropriados, que são estimulados pela presença ou contemplação desses sentimentos, e ao presumir que são estados voluntários da mente, ou ações da vontade, Edwards muito naturalmente, com esta pressuposição, concluiu necessária e justamente que a vontade foi governada ou decidida pelo motivo objetivo. Presumindo, como ele o fez, que a mente tem somente duas faculdades, entendimento e vontade, e que todo estado de sentimento e de mente que não pertenceu ao entendimento deve ser um estado voluntário ou ato de vontade, e estando ciente de que os seus sentimentos, desejos, afetos, apetites e paixões foram estimulados pela contemplação dos seus objetos correlacionados, Edwards não poderia ter chegado coerentemente a nenhuma outra conclusão senão que a vontade é determinada pelos motivos e que a escolha sempre é conforme o mais agradável é.

 

Apresentarei agora outro esquema da incapacidade e sua filosofia.

1. Esta filosofia faz distinção correta entre a vontade e a sensibilidade. Considera a mente como possuidora de três departamentos, faculdades ou suscetibilidades primários: o intelecto, a sensibilidade e a vontade. Nem sempre chama estes departamentos ou suscetibilidades por estes nomes, mas se eu os entendo, os instigadores desta filosofia sustentam sua existência por qualquer nome que os chamem.

2. Esta filosofia também sustenta que os estados do intelecto e da sensibilidade são passivos e involuntários.

3. Sustenta que a liberdade da vontade é uma condição da agência moral.

4. Também ensina que a vontade é livre e, por conseguinte, que o homem é um agente moral livre.

5. Ensina que a vontade controla a vida externa e a atenção do intelecto, diretamente, e muitas das emoções, desejos, afetos, apetites e paixões, ou muitos estados da sensibilidade, indiretamente.

6. Ensina que os homens têm a capacidade de obedecer a Deus na medida que os atos da vontade estão relacionados, e também na medida que esses atos e estados da mente estão relacionados sob controle direto ou indireto da vontade.

7. Mas sustenta que a obrigação moral pode, e pelo menos no caso do homem, estender-se além da agência moral e da esfera da capacidade; essa capacidade ou liberdade da vontade é essencial para a agência moral, mas essa liberdade da vontade ou agência moral não limita a obrigação moral; essa agência moral e obrigação moral não são coextensivas; por conseguinte, essa obrigação moral não está limitada pela capacidade ou pela agência moral.

8. Esta filosofia afirma que a obrigação mora! estende-se àqueles estados da mente que jazem completamente além ou sem a esfera ou o controle da vontade; que se estende não meramente aos atos e estados voluntários, junto com todos os atos e estados que vêm dentro do controle direto ou indireto da vontade, mas, como foi dito, insiste que esses estados mentais, que se encontram completamente além do controle direto ou indireto da vontade, venham dentro do território da legislação e obrigação moral; e que, portanto, a obrigação não está limitada pela capacidade.

9. Esta filosofia parece ter sido inventada para reconciliar a doutrina do pecado original no sentido de uma natureza pecadora, ou da depravação moral constitucional com a obrigação moral. Presumindo que o pecado original neste sentido é uma doutrina da revelação divina, já assume a corajosa e inflexível base declarada, isto é, que a obrigação moral não é meramente coextensiva com a agência e capacidade moral, mas vai até a região daqueles estados mentais que se encontram completamente sem o controle direto ou indireto da vontade.

10. Os instigadores desta filosofia tentam apoiar esta afirmação ousada com um apelo às convicções necessárias dos homens e à autoridade da Bíblia. Eles alegam que os julgamentos instintivos dos homens, como também da Bíblia, em todos os lugares presumem e afirmam a obrigação moral e o caráter moral da classe dos estados mentais em questão.

11. Eles admitem que uma incapacidade física é um impedimento ou é incoerente com a obrigação moral, mas negam, é claro, que a incapacidade ao que afirmam seja física.

 

Isto nos leva a uma breve consideração das reivindicações desta filosofia da incapacidade.

1. Está baseada em um petitio principii ou petição de princípio. Presume que os julgamentos instintivos ou irresistíveis e universais dos homens, junto com a Bíblia, afirmam e presumem que a obrigação moral e o caráter moral estendem-se aos estados da mente em questão. Admite-se que se deve confiar nos ensinos da Bíblia. Também admite-se que as verdades primeiras da razão, ou o que esta filosofia chama de os julgamentos instintivos e necessários de todos os homens, devem ser verdade. Mas não se admite que a afirmação em questão seja uma doutrina da Bíblia ou uma verdade primeira da razão. Pelo contrário, ambas são negadas. É negado, ao menos por mim, que ou a razão ou a revelação divina afirmam a obrigação moral ou o caráter moral de qualquer estado da mente, que ambos se encontram completamente além do controle direto e indireto da vontade. Mas esta filosofia não deve ser admitida a incorrer em petição do princípio em debate. Que seja demonstrado, se o pode, que a verdade alegada ou é uma doutrina da Bíblia ou uma verdade primeira da razão. A razão e a revelação afirmam e presumem que a obrigação moral e o caráter moral estendem-se aos atos da vontade e a todos aqueles atos externos ou estados mentais que se encontram dentro do seu controle direto ou indireto. "Mas além disso estes depoentes não dizem nada." Os homens estão conscientes da obrigação moral a respeito destes atos e estados da mente, e da culpa quando fracassam, nestes assuntos, em cumprir com a obrigação moral. Mas quem já se culpou pela dor, quando, não por falta sua, recebeu um soco, ou foi acometido de uma dor de dente, ou uma crise de eólica biliosa?

2. Investiguemos a natureza desta incapacidade. Observe que é admitido por esta escola que uma incapacidade física é incompatível com a obrigação moral -- em outras palavras, essa capacidade física é uma condição da obrigação moral. Mas o que é uma incapacidade física? A definição primária do adjetivo físico dado por Webster é: "Pertencente à natureza ou objetos naturais". Uma incapacidade física, no sentido primário do termo físico, é uma incapacidade da natureza. Pode ser uma incapacidade material ou uma incapacidade mental, ou seja, pode ser ou uma incapacidade do corpo ou da mente. A escola, cujas opiniões estamos investigando, admite que toda causalidade ou capacidade humana reside na vontade e que, portanto, há uma incapacidade da natureza para executar tudo que não venha de dentro da esfera da causalidade direta ou indireta, ou do controle da vontade. Então é óbvio que a incapacidade a qual eles disputam deve ser uma incapacidade natural formal, ou incapacidade da natureza. Isto admitem e sustentam inteiramente. Mas eles não o chamam de incapacidade física. Por quê? Simplesmente porque subverteria, por suas próprias admissões, a posição favorita deles. Eles parecem presumir que uma incapacidade física deve ser uma incapacidade material. Mas onde está a autoridade para tal pressuposição? Não há autoridade. Uma incapacidade formal da natureza deve ser uma incapacidade física, oposta à incapacidade moral, ou não há sentido na língua. Pouco importa se a incapacidade pertence ao organismo material ou à mente. Se é constitucional e apropriadamente uma incapacidade da natureza, é tolice negar que esta seja uma incapacidade física, ou sustentar que possa ser consistente com a obrigação moral. E em vão replicar que esta incapacidade, embora uma incapacidade real da natureza, não é física mas moral, porque é uma incapacidade pecadora. Esta é outra petição de princípio.

A escola, cujos pontos de vista estou examinando, sustenta que esta incapacidade está fundamentada no primeiro pecado de Adão. O seu primeiro pecado lançou-o e sua posteridade, descendendo dele mediante uma lei natural, a uma incapacidade total da natureza para entregar-se à obediência a Deus. Este primeiro pecado de Adão impôs uma natureza em toda a sua posteridade "totalmente pecadora em toda faculdade e parte da alma e do corpo". Esta pecaminosidade constitucional pertencente a toda faculdade e parte da alma e do corpo constitui a incapacidade da qual estamos tratando. Mas note que não é incapacidade física, porque é uma incapacidade pecadora! Distinção teológica importante! Tão verdadeiramente maravilhosa, com certeza, como quaisquer das sutilezas dos jesuítas. Mas se esta incapacidade é pecadora, é importante inquirir: De quem é o pecado? Quem é o culpado? Pois, com certeza, dizem-nos que é o pecado de Adão sobre quem é legado pela lei natural de descender de pai para filho sem o seu conhecimento ou consentimento. Esta pecaminosidade da natureza, completamente independente e prévia a qualquer transgressão atual, torna o seu possuidor merecedor e exposto para sempre à ira e maldição de Deus. Esta pecaminosidade, observe, é transmitida por uma lei natural ou física de Adão, mas não é uma incapacidade física. É algo inerente e pertencente a toda faculdade e parte da alma e do corpo. É transmitida por uma lei física de pai para filho. Portanto, é e deve ser uma coisa física. Mas, não obstante, é-nos dito que não pode ser uma incapacidade física, porque primeiro é pecadora, ou o próprio pecado; e em segundo lugar, porque uma incapacidade física é um impedimento, ou é incompatível, com a obrigação moral. Aqui temos as razões deles para não admitirem que esta seja uma incapacidade física. Neste caso iria tornar a obrigação moral numa impossibilidade e, além disso, se é um impedimento à obrigação moral, não pode ser pecadora. Mas é pecadora, dizem-nos, então não pode ser física. Mas como sabemos que é pecadora? Porque, dizem-nos, os julgamentos instintivos dos homens e a Bíblia toda o afirmam e presumem. Dizem-nos que tanto os julgamentos instintivos dos homens quanto a Bíblia afirmam e presumem a incapacidade em questão e a sua pecaminosidade: "Que devemos ser capazes, mas não somos", quer dizer, que devemos tanto culpar esta incapacidade da natureza imposta sobre nós sem o nosso conhecimento ou consentimento, por uma necessidade física, quanto merecer a ira e maldição de Deus para sempre. Estamos sob uma obrigação moral de não termos esta natureza pecadora. Merecemos a condenação por tê-la. Com certeza somos completamente incapazes de guardá-la e não tivemos nenhuma agência em sua existência. Mas e daí? É-nos dito que "a obrigação moral não está limitada pela capacidade", que nosso ser é tão incapaz de mudar nossa natureza quanto somos de criar um mundo que não é razão para não estarmos sob a obrigação de fazê-lo, visto que "a obrigação moral não implica em capacidade de qualquer tipo de fazermos o que estamos sob a obrigação de fazer!" Eu estava a ponto de expor a loucura e o absurdo destas afirmações, mas silencio! Não é aconselhável, dizem-nos, argumentar sobre este assunto. Enganar-nos-emos se escutarmos a "lógica miserável de nossas compreensões". Temos, pois, de recorrer às afirmações intuitivas da razão e da Bíblia. Neste ponto desejamos apresentar nosso apelo. A Bíblia define o pecado dizendo que é uma transgressão da lei. Que lei violamos ao herdarmos esta natureza? Que lei nos exige que tenhamos uma natureza diferente da que possuímos? A razão afirma que somos merecedores para sempre da ira e maldição de Deus por herdarmos de Adão uma natureza pecadora?

Que lei da razão transgredimos ao herdarmos esta natureza? A razão não nos pode condenar, a menos que tivéssemos violado alguma lei que pudesse ser reconhecida como tal. A razão indignadamente reprova tal tolice. A Bíblia nos torna responsáveis pelas impossibilidades? Ela requer de nós o que não podemos fazer ao querê-lo? Não, de fato, mas afirma expressamente que "se há prontidão de vontade, será aceita segundo o que qualquer tem e não segundo o que não tem" (2 Co 8.12). O significado claro desta passagem é que se alguém quer como Deus quer, Ele cumpriu assim toda a sua obrigação; Ele fez tudo o que lhe é naturalmente possível e, portanto, nada mais lhe é exigido. Nesta passagem, a Bíblia expressamente limita a obrigação pela capacidade. Temos visto isto repetidas vezes em aulas anteriores. A lei também, como vimos anteriormente, limita a obrigação pela capacidade. Só exige que amemos o Senhor com toda a nossa força, isto é, com toda a nossa capacidade, e o próximo como a nós mesmos.

A razão nos torna responsáveis pelas impossibilidades ou afirma nossa obrigação de fazer, ou ser, o que nos é impossível fazer e ser? Não, absolutamente! A razão nunca nos condenou e nunca nos pode condenar por nossa natureza e nos tornar merecedores da ira e maldição de Deus por possuí-la. Nada é mais ofensivo e revoltante para a razão do que tais pressuposições, conforme são feitas pela filosofia em questão. Isto a consciência de todo homem tem de testemunhar.

Mas não é verdade que ao menos alguns se condenam inteligentemente por sua natureza e se sentenciam para sempre como merecedores da ira e maldição de Deus por sua pecaminosidade? Os autores da Confissão de Fé Westminster pelo menos colocaram esta afirmação em palavras; quer inteligente, quer ininteligentemente ficamos a inquirir. A razão de um agente moral que se condena e se sentencia merecedor para sempre da ira e maldição de Deus, por possuir uma natureza imposta a ele por uma lei natural, sem o seu conhecimento ou consentimento! Isto nunca pode ser.

Mas não é verdade, como foi afirmado, que os homens instintiva e necessariamente afirmam a sua obrigação de serem capazes de obedecer a Deus, enquanto que ao mesmo tempo afirmam que não são capazes? Eu respondo: Não. Eles afirmam que estão sob a obrigação simplesmente e apenas porque bem no fundo do seu ser encontra-se a pressuposição de que podem obedecer as exigências de Deus. Eles estão conscientes da capacidade de querer e do poder de controlar a sua vida exterior, diretamente, e os estados do intelecto e da sensibilidade, direta ou indiretamente, pela vontade. Nesta consciência encontraram a afirmação da obrigação e do aspecto meritório e da culpabilidade a respeito desses atos e estados da mente. Mas para a consciência da capacidade, nenhuma afirmação da obrigação moral, ou do aspecto meritório ou da culpabilidade, foi possível.

Mas aqueles que afirmam a sua incapacidade e obrigação não se enganam? Eu respondo: Sim. E comum as pessoas negligenciarem as pressuposições que jazem, como se diz, no fundo de suas mentes. Isto foi observado em aulas anteriores e não precisa ser repetido aqui. E bem verdade que Deus exige dos homens, especialmente os que estão sob o Evangelho, o que eles são incapazes de fazer diretamente por suas próprias forças. Ou, em sentido mais exato, Ele exige que se rendam sujeitos à força dEle ou se aproveitem de sua graça como a condição de serem o que lhes exige que sejam. Com estrita propriedade, não se pode dizer que neste ou em outro caso requeira diretamente alguma coisa a mais que possamos fazer diretamente. A exigência direta, no caso sob consideração, é aproveitarmos ou nos agarrarmos em sua força. Isto temos o poder de fazer. Ele nos exige que aproveitemos da sua graça e força e, desse modo, ganhemos um maior conhecimento dEle e um conseqüente estado mais elevado de santidade que, do contrário, nos seria impossível. A exigência direta é crermos ou tirarmos proveito de sua força, ou recebermos o Espírito Santo, ou Cristo, que está à porta e bate e espera para entrar. A exigência indireta é subirmos a um grau de conhecimento de Deus e a obtenções espirituais que nos são impossíveis com nossa própria força. Temos a capacidade de obedecer o mandamento direto diretamente, e o mandamento indireto indiretamente. Quer dizer, somos capazes em virtude de nossa natureza, junto com a graça oferecida do Espírito Santo, de cumprirmos todas as exigências de Deus. De forma que não há, em verdade, nenhuma incapacidade formal a esse respeito.

Mas os homens não estão muitas vezes cientes de haver grande dificuldade no modo de entregarmos a Deus tudo o que afirmamos que está sob a nossa obrigação de fazer? Eu respondo: Sim. Mas, estritamente falando, eles têm de admitir a sua capacidade direta ou indireta como condição de afirmar a sua obrigação. Esta dificuldade, surgida de sua depravação física e do poder da tentação exterior, é o fundamento ou a causa da guerra espiritual, da qual as Escrituras falam e da qual todos os cristãos estão cientes. Mas a Bíblia ensina abundantemente que pela graça somos capazes de sermos mais do que vencedores. Se somos capazes de o sermos pela graça, somos capazes de nos aproveitar das providências da graça, de forma que não há no caso incapacidade formal. Pouco importando quão grandes as dificuldades possam ser, por Cristo somos capazes de vencê-las todas. Isto devemos e presumimos como a condição da afirmação da obrigação.

 

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