A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 12

SANÇÕES DA LEI MORAL, NATURAL E GOVERNAMENTAL

 

Na discussão desse assunto devo demonstrar:

O que constitui as sanções da lei.

 

1. As sanções da lei são os motivos da obediência, as conseqüências ou resultados naturais e governamentais da obediência e desobediência.

2. Elas são remuneratórias, ou seja, prometem recompensar a obediência.

3. São vindicadoras, ou seja, ameaçam o desobediente com punição.

4. São naturais, ou seja, a felicidade é em certo sentido naturalmente ligada à obediência à lei moral e conseqüência necessária dela, enquanto a aflição é natural e necessariamente ligada à desobediência à lei moral ou à ação contrária à natureza e relações dos seres morais, e dela resultante.

5. As sanções são governamentais. Por sanções governamentais entendem-se:

(1) O favor do governo devido à obediência.

(2) Uma recompensa positiva conferida pelo governo aos obedientes.

(3) O desprazer do governo para com os desobedientes.

(4) Punição direta infligida pelo governo devido à desobediência.

Toda felicidade e aflição resultam da obediência ou desobediência, seja natural, seja do favor ou da desaprovação do governo, e devem ser consideradas partes das sanções da lei.

 

Em que luz devem ser consideradas as sanções.

1. As sanções devem ser consideradas expressões da consideração benevolente do legislador pelo seus súditos: os motivos que ele manifesta para induzir os súditos ao curso de conduta que garantirá o máximo bem-estar deles.

2. Elas devem ser consideradas expressões do valor que ele atribui à justiça, necessidade e valor do preceito para os súditos de seu governo.

3. Elas devem ser consideradas expressões do volume ou intensidade de seu desejo de garantir a felicidade de seus súditos.

4. Elas devem ser consideradas expressão de sua opinião a respeito do que merece a desobediência.

As sanções naturais devem ser consideradas demonstrações da justiça, necessidade e perfeição do preceito.

 

Por qual regra devem ser conferidas as sanções.

1. Vimos que a obrigação moral é baseada no valor intrínseco do bem-estar de Deus e do universo e condicionada pela percepção de seu valor; e,

2. Que a culpa sempre deve ser medida pelo valor percebido do fim que os seres morais devem escolher.

3. As sanções da lei devem ser conferidas pelo mérito e demérito intrínseco da santidade e do pecado.

 

A lei de Deus possui sanções.

1. Que o pecado ou a desobediência à lei moral é acompanhada de aflição e nela resulta, é uma questão de consciência.

2. Que a virtude ou santidade é acompanhada de felicidade e nela resulta é também atestado pela consciência.

3. Portanto, que a lei de Deus possui sanções naturais, tanto remuneratórias como vindicadoras, é fato.

4. Que sanções governamentais são acrescidas às naturais deve ser verdade, caso contrário Deus, na realidade, não teria governo algum, senão o de conseqüências naturais.

5. A Bíblia ensina de modo expresso e variado que Deus recompensará os justos e punirá os perversos.

 

A perfeição e duração das sanções remuneratórias da lei de Deus

1. A perfeição da recompensa natural é e deve ser proporcional à perfeição da virtude.

2. A duração da sanção remuneratória deve ser equivalente à duração da obediência. Não é possível que assim não seja.

3. Se a existência e a virtude dos homens são imortais, sua felicidade não deve ter fim.

4. A Bíblia afirma quase inequivocamente a imortalidade da existência e virtude dos justos e também que sua felicidade não terá fim.

5.0 próprio desígnio ou fim do governo torna necessário que a recompensa governamental seja tão perfeita e infinita quanto a virtude.

 

As inflições sob o governo de Deus devem ser infinitas.

Aqui a indagação é: a que tipo de morte se faz referência, quando a morte é anunciada contra o transgressor, como penalidade da lei de Deus?

1. Não é a mera morte natural porque:

(1) Isso seria, na realidade, penalidade alguma. Antes, seria oferecer uma recompensa pelo pecado. Se a morte natural é tudo o que se tem em mente, e se as pessoas, no ato de morrerem naturalmente já sofrem a penalidade da lei, indo a alma delas de imediato para o Paraíso, o caso fica assim: se nossa obediência for perfeita e perpétua, devemos viver para sempre neste mundo, mas se pecarmos, morreremos e iremos de imediato para o Céu. "Isso seria contratação e salário", não punição.

(2) Se a morte natural fosse a penalidade da lei de Deus, os justos, os que são perdoados, não deviam sofrer morte natural.

(3) Se a morte natural fosse a penalidade da lei de Deus, não existiria algo chamado perdão, mas todos devem na realidade sofrer a pena.

(4) Se a morte natural for a penalidade, então bebês e animais sofrerão essa penalidade, assim como os transgressores mais devassos.

(5) Se a morte natural for a penalidade, a única penalidade, não haverá proporção alguma com a culpa do pecado.

(6) A morte natural não seria uma expressão adequada da importância do preceito.

2. A penalidade da lei de Deus não é a morte espiritual.

(1) Porque a morte espiritual é um estado de inteira pecaminosidade.

(2) Fazer de um estado de inteira pecaminosidade a penalidade da lei de Deus seria identificar a penalidade com a quebra do preceito.

(3) Seria fazer de Deus o autor do pecado e o representaria compelindo o pecador a cometer um pecado como punição de outro, como se o forçasse a um estado de rebelião total e perpétua, como recompensa por sua primeira transgressão.

3. Mas a sanção penal da lei de Deus é a morte eterna, ou aquele estado de sofrimento sem fim, o resultado natural e governamental do pecado ou da morte espiritual.

Antes de passar a provar isso, cuidarei de uma objeção muitas vezes lançada contra a doutrina da punição eterna. A objeção é única, mas apresentada de três diferentes maneiras. Essa e todas as outras objeções à doutrina da punição eterna das quais tenho conhecimento são apontadas contra a justiça de tal inflição governamental.

(1) Diz-se que a punição eterna é injusta porque a vida é muito curta, que os homens não vivem o suficiente neste mundo para cometer tão grande número de pecados para merecer punição eterna. A isso respondo que ela é fundamentada na ignorância ou desconsideração de um princípio universal de governo, a saber, que uma transgressão do preceito sempre incorre na penalidade da lei, qualquer que seja a penalidade. O tempo empregado na comissão do pecado não tem relação alguma com sua culpa ou amplitude da condenação. O desígnio é o que constitui o caráter moral da ação, e não o período de tempo requerido para sua realização. Essa objeção pressupõe que é o número de pecados, e não a culpa intrínseca do pecado, que constitui a amplitude de sua condenação, enquanto é o mérito intrínseco ou a culpa do pecado, conforme veremos, que o faz merecedor de punição eterna.

(2) Outra forma da objeção é que uma criatura finita não pode cometer um pecado infinito. Antes, nada que não seja um pecado infinito pode merecer uma punição eterna; portanto a punição eterna é injusta.

Essa objeção pressupõe que o homem é uma criatura tão diminuta, tão menor que o Criador, que não pode merecer sua desaprovação eterna. Qual crime é maior: a criança insultar a um companheiro de brincadeiras ou a seus pais? Que envolveria a maior culpa: o homem atacar a seu próximo e igual ou a seu soberano legítimo? Quanto mais o legislador é exaltado acima do súdito em sua natureza, caráter e autoridade legítima, tanto maior a obrigação de o súdito desejar seu bem, de render-lhe obediência e tanto maior a culpa da transgressão no súdito. Assim, o fato de o homem estar tão infinitamente abaixo de seu Criador não faz senão realçar a culpa de sua rebelião, tornando-o ainda mais digno de sua desaprovação infinita.

(3) Uma terceira forma da objeção é que o pecado não é um mal infinito e, portanto, não merece punição infinita.

Essa objeção pode significar que o pecado não produziria dano infinito, caso irrestrito, ou então que não implica culpa infinita. O primeiro significado não é possível, pois ambos os lados concordam que a aflição deve continuar enquanto continuar o pecado e, portanto, que o pecado irrestrito produziria mal infinito. A objeção, portanto, deve significar que o pecado não implica culpa infinita. Observem, porém, que o ponto em questão é: qual o demérito intrínseco ou a culpa do pecado? O que merece todo pecado pela própria natureza dele? Os que negam a justiça do pecado infinito consideram manifestamente simples ninharia a culpa do pecado. Os que sustentam a justiça da punição infinita consideram o pecado um mal de magnitude imensurável e, pela própria natureza dele, algo merecedor de punição infinita. Prova:

Se um agente moral se recusasse a escolher como fim último algo que não tivesse valor intrínseco, com isso não contrairia culpa alguma, porque não violaria obrigação qualquer. Mas caso se negasse a desejar o bem de Deus e do próximo, violaria uma obrigação, contraindo obviamente uma culpa. Isso mostra que a culpa está ligada à violação da obrigação e que algo é condenável porque é a violação de uma obrigação.

Vimos que pecado é egoísmo, que consiste em preferir a satisfação própria aos interesses infinitos de Deus e do universo. Também vimos que a obrigação é fundamentada no valor intrínseco daquele bem-estar que os agentes morais devem desejar para Deus e para o universo, sendo equivalente ao valor desse bem. Também vimos que todo agente moral, por uma lei da própria razão, afirma necessariamente que Deus é infinito e que a felicidade e o bem-estar infinito de Deus e do universo têm valor infinito. Assim, segue-se que a recusa em desejar esse bem é uma violação de uma obrigação infinita ou ilimitada, implicando, por conseguinte, culpa ilimitada. É tão certo que a culpa de qualquer pecado é ilimitada, quanto é ilimitada a obrigação de desejar o bem de Deus e do universo. Para negar consistentemente que a culpa do pecado é ilimitada, deve-se demonstrar que a obrigação de desejar o bem de Deus é ilimitada. Para sustentar consistentemente essa última afirmação, é preciso demonstrar que os agentes morais não têm idéia de que Deus é infinito. Aliás, negar que a culpa do pecado é, em algum caso, menos que infinito é tão absurdo quanto negar totalmente a culpa do pecado.

Tendo demonstrado que a obrigação moral é fundamentada no valor intrínseco do máximo bem-estar de Deus e do universo, que ele é sempre equivalente ao conhecimento que a alma possui do valor desses interesses, e tendo também demonstrado que todo agente moral possui necessariamente mais ou menos desenvolvida com clareza a idéia de que o valor desses interesses é infinita, segue-se que a lei é infinitamente injusta, se suas sanções penais não forem infinitas. A lei deve ser justa em dois aspectos: o preceito deve estar de acordo com a lei da natureza, e a penalidade deve eqüivaler à importância do preceito. Aquilo que não possui essas duas peculiaridades não é justo e, portanto, não pode ser lei. Assim, ou Deus não possui lei, ou suas sanções penais são infinitas. Que as sanções penais da lei de Deus são infinitas é evidenciado pelo fato de que uma penalidade menor não manifestaria, para limitar o pecado e promover a virtude, motivos tão elevados quanto a natureza do caso admitiria. A justiça natural exige que Deus manifeste motivos tão elevados para garantir a obediência quanto o que exige o valor da lei e admite a natureza do caso.

A tendência do pecado de perpetuar-se e agravar-se permite outra forte inferência: que a pecaminosidade e aflição dos perversos serão eternas.

O fato de que a punição não tem a tendência de originar na mente egoísta um amor desinteressado para com aquele que inflige punição também permite uma suposição forte: que a punição futura será eterna.

 

Mas examinemos esta questão à luz da revelação.

A Bíblia, de muitíssimas maneiras, representa a punição futura dos perversos como eterna e não a apresenta de outra maneira nem uma só vez. Ela expressa a duração da punição futura dos perversos com os mesmos termos e, de todas as maneiras, com a mesma ênfase com que expressa a duração da felicidade futura dos justos. Apresentarei aqui, sem comentários, algumas passagens das Escrituras que confirmam esta última observação: "A esperança dos justos é alegria, mas a expectação dos ímpios perecerá" (Pv 10.28); "Morrendo o homem ímpio, perece a sua expectação, e a esperança da iniqüidade perde-se" (Pv 11.7); "E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e desprezo eterno" (Dn 12.2); "Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber. E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna" (Mt 25.41,42,46); "E, se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga" (Mc 9.43,44); "Ele tem a pá na sua mão, e limpará a sua eira, e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga" (Lc 3.17); "E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá" (Lc 16.26); "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece" (Jo 3.36); "E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu, com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não

obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder" (2 Ts 1.7-9); "E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande Dia; assim como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se corrompido como aqueles e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno. Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda" (Jd 6,7,13); "E os seguiu o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber o sinal na testa ou na mão, também o tal beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso, nem de dia nem de noite, os que adoram a besta e a sua imagem e aquele que receber o sinal do seu nome" (Ap 14.9-11); "E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre" (Ap 20.10). E quase infinita a multidão de passagens que ensinam diretamente ou por inferência tanto o fato como a infinitude da punição futura dos perversos.

 

Retorno a Index Teologia Sistematica